A Evolução é Ciência, e o que ‘Ciência’ significa?
0setembro 8, 2011 by administrador
Por John Wilkens, 1997
Traduzido por Fernando Lorenzon
Sumário: Ciência não é um processo simples de falsificação de hipóteses. A filosofia da ciência não são apenas as idéias de Popper, que possuem alguns problemas reais. Evolução pode ser falseada no significado usual na prática científica.
É freqüentemente discutido, igualmente por filósofos e criacionistas, que o darwinismo não é falseável, e, portanto, não é ciência. Isto se apóia na opinião de que alguma coisa é apenas ciência se puder ser falseada, quer dizer, provada falsa, pelo menos em princípio. Esta idéia, pertencente a Popper, não é de maneira nenhuma aceita universalmente, e a história da filosofia está a fim de dar sentido a isso e às críticas que fizeram a ele.
No tempo em que Darwin estava formulando sua concepção da evolução, o exemplo prevalente da ciência era o sistema newtoniano. Leis eram supremas, e elas determinavam o resultado. A ciência procurava generalizações. Darwin tentou fazer uma ciência newtoniana, e foi ferido quando os expoentes da área como Whewell e Herschel, dois de seus conhecidos e mentores, destituíram sua teoria por ser insuficientemente parecida com o modelo de ciência deles.
William Whewell foi o primeiro verdadeiro filósofo da ciência. Ele era sucessor das escolas inglesas e escocesas de bom senso empíricas. Ele rejeitou a concepção de Hume, de que indução (provar uma regra ou lei por referência a exemplos singulares de dados e observações) não estava correta, mesmo não negando a força lógica do argumento. Não se pode provar uma universalização, não importando quantos pedaços de evidência você tem de manipular. Whewell propôs o que ele chamou de ‘consiliência de induções’ – quanto mais casos indutivos você possuir baseados em dados, mais confiável a generalização. É isto que Darwin tentou alcançar, e particularmente explica porque ele gastou tantos anos coletando caso após caso para sustentar sua teoria. Ele achava que estava percorrendo o Caminho Correto.
Uma outra escola de pensamento era o Positivismo. Estas idéias afirmavam que apenas o verdadeiro conhecimento era conhecimento científico. Isto significava que os positivistas teriam de ser capazes de distinguir entre a verdadeira ciência e as pseudociências, como frenologia, espiritualismo, e outras teorias excêntricas vindas para a cena durante o século XIX. Um positivista influente foi o físico Ernst Mach, da celebrada velocidade Mach, e dele desenvolveu-se uma escola de pensamento nos países de idioma alemão da Europa conhecido como Positivismo Lógico, sediado em Viena.
Os Positivistas Lógicos sustentavam que algo é ciência quando puder ser verificado, e eles tinham todos os tipos de regras para isso, baseadas no atestado de Hume de que qualquer coisa que não resulta logicamente de coisas práticas ou números era metafísica. Isto era equivalente a dizer que era literalmente uma tolice para os positivistas. Quando foi observado que o Princípio de Verificação era inverificável, e, portanto, uma tolice, a escola ruiu.
No entanto, ela estimulou o jovem Karl Popper a colocar à frente seu próprio modo de diferenciar notavelmente ciência (cujo exemplo foi a nova física) de pseudociência (cujos exemplos foram Marxismo e Freudianismo). Popper também aceitou a legitimidade dos enunciados metafísicos, mas negou que eles eram quaisquer divisões da ciência. A idéia de Popper (uma variedade de empirismo lógico) foi chamada de ‘falseacionismo’, e em suas versões amadurecidas acreditavam que algo é científico até onde:
I. é suscetível a ser falseado por dados,
II. é testado por observações e experimentos, e
III. faz predições.
Verdadeiros Cientistas Fazem Predições. Este era o Verdadeiro Método Científico. Uma menor preocupação com ninharia poderia ser lidada – Popper sabia que o Princípio de Falseamento não poderia ser falseado. Era abertamente metafísico. Neste contexto, faz sentido o porquê de um pró-evolucionista como Popper chamar o Darwinismo de um programa de pesquisa metafísica. Ele não era mais falseável (pensou ele) que a idéia de que matemática descreve o mundo, e era da mesma forma básica para a biologia moderna.
O medidor nos trabalhos foi jogado primeiro por sociólogos e historiadores da ciência, incluindo Robert Merton, e posteriormente Thomas Kuhn. O livro de Kuhn em particular misturou diferentes genéticas que se adaptaram. Se Popper pensou que o que ele estava fazendo era destilar a essência da ciência em um conjunto de proscrições, Kuhn e outros observaram que nenhuma ciência na realidade se parece como este modelo.
De acordo com Kuhn, você não pode nem comparar quando uma teoria é melhor que outra cientificamente, devido a cada teoria global carregar seus próprios métodos de avaliação. Mudar de uma teoria global para outra está mais ligado a uma conversão religiosa que uma decisão racional. Ciência apenas muda quando a teoria mais velha não pode lidar com um número arbitrário de anomalias, e está em ‘crise’. Quando isto ocorre, a comunidade científica age como alguém olhando para aqueles quadros de duplo aspecto, como o famoso quadro da mulher idosa/jovem. Eles ‘alternam’ de uma visão para outra, que Kuhn chamou de ‘troca de paradigma’. Ciência resiste a revoluções, e o único caminho para determinar se algo é científico é vendo o que os cientistas fazem (há uma circulariedade óbvia aqui).
Isto foi muito popular no relativístico fim da década de 1960, mas causou o aumento de alguns problemas sérios. Para começar, ninguém podia encontrar revoluções radicais nos registros históricos. Até Galileu e Newton se mostraram mais revisionistas que revolucionários. Então, o ‘paradigma’ começou a ser usado para cada nova teoria com impacto em uma disciplina (que são tudo teorias, no final das contas). Eventualmente, se torna óbvio que enquanto Kuhn fez muitas observações interessantes, não houve tal ciclo universal como ele tinha proposto na ‘vida’ de uma teoria científica. O próprio termo ‘paradigma’ foi atacado como sendo muito vago, e Kuhn eventualmente o largou em favor de outros termos mais restritos, como ‘matriz disciplinária’ e ‘exemplo’.
O amigo de Kuhn, Paul Feyerabend, agitou ainda mais as coisas por afirmar que não houve até então algo como o Método Científico. Tampouco Kuhn acreditou existir algo em um sentido mais filosófico. Feyerabend argumentou que o método era restrito a pequenas subdisciplinas, e que a qualquer circunstância quaisquer cientistas poderiam trazer para dentro qualquer coisa da astrologia a numerologia se isso ajudasse. Ele até encorajou o criacionismo inicialmente recente. Isto foi o fim extremo da abordagem “ciência é o que cientistas fazem”. Feyerabend queria que cientistas fizessem qualquer coisa que quisessem, e chamar isso de ciência.
Isso foi contrariado por Imre Lakatos, que afirmou que ciência era uma série histórica de programas de pesquisa. Enquanto eles estavam obtendo resultados, progredindo de um problema a outro, estavam ‘gerando’, ao contrário, os outros estavam ‘degenerando’. De acordo com Lakatos, um programa de pesquisa é um núcleo de teorias altamente protegido que são relativamente imunes à revisão, enquanto teorias subsidiárias são freqüentemente revisadas ou abandonadas.
Uma coisa estes três filósofos pensavam em oposição a Popper – não havia circunstância que poderia ser rejeitada como linha divisória entre ciência ‘racional’ e não-ciência ’não-racional’. Lakatos identificou o que ele chamou de Tese de Duhen-Quine – nada pode ser falseado se você quiser fazer ajustes adequados em outro lugar em seus comprometimentos teóricos. Obteve um resultado que arruína sua teoria da gravitação favorita? Então os instrumentos estão errados, ou algo está interferindo com as observações, ou há outro processo que você não conhecia, ou alguma outra teoria de fundo está errada. E o motivo disso é que todos estes movimentos são na verdade usados – eles são racionais no sentido da boa prática científica. Positivismo está irresgatavelmente morto neste estágio.
Então, qual é a diferença entre ciência e não-ciência? Há várias alternativas mutualmente compatíveis. Pragmatismo, a única filosofia originada na América do Norte, acredita que a verdade ou o valor de um relato como a teoria ou hipótese está situada em seu resultado prático. Pragmatistas dizem que ser científico é um rótulo retroativo dado a quem sobrevive testando e fazendo uma verdadeira diferença prática, como a teoria sobre um câncer afetando como aquele câncer é tratado, de forma mais bem sucedida. Progresso na ciência é o acúmulo de teorias que dão certo.
Realistas continuam a dizer que o que faz algo científico é sua modelação de realidade de forma bem sucedida, e isto fez surgir o que é conhecido como a Concepção Semântica de Teorias. Nesta descrição, o que ciência faz é criar modelos efetivos, e se um modelo encontra o critério de Lakatos para gerar um programa de pesquisa, esses modelos são assumidos como adequados e verdadeiros. E há uma pressão sociológica. Isto é divergente, mas é também totalmente relativístico (ciência é somente algo que cientistas constroem para algumas razões sociais particulares próprias), ou mais pragmatista e realístico, e compartilha um forte comprometimento para a importância e exclusividade da ciência.
De volta à evolução. Torna-se claro o motivo das repetições simplórias, até por cientistas, de que “se ela não pode ser falsificada não é ciência”, não é suficiente para rejeitar uma teoria. O que ciência é realmente é um assunto para demasiada discussão. A redescoberta pós-Merton da natureza social da ciência lançou os eternos Métodos Científicos pela janela, mas isso não significa que ciência não é mais distinguível de não-ciência.
Simplesmente não é mais fácil como alguém gostaria em um mundo ideal. Pelo que vi, não era um mundo ideal, de qualquer jeito.
Entretanto, no entendimento ordinário de falseamento, a evolução darwiniana pode ser falseada. Também, ela pode ser verificada de uma maneira não-dedutiva. Whewell estava certo no sentido de que você pode mostrar a validade relativa de uma teoria se for criticada o suficiente, e Popper tinha uma noção similar, chamada ‘verossimilhança’. O que cientistas fazem, ou ainda o que eles dizem fazer, é no fim muito pouco afetado por prescrições filosóficas a priori. Darwin estava certo em tomar a abordagem que ele fez.
É significativo que, embora freqüentemente afirmado que o Darwinismo é não-falseável, muitas das coisas que Darwin disse foram, na realidade, falseadas. Muitas de suas declarações foram de fato revisadas ou negadas; muitos de seus mecanismos rejeitados ou modificados até por quem o apoiou mais fortemente (ex., por Mayr, Gould, Lewontin, e Dawkins), e ele consideraria difícil reconhecer algumas versões da teoria moderna da seleção como sua teoria da seleção natural. Isto é exatamente o que um estudante da história da ciência poderia esperar. Ciência progride, e se uma teoria não, isso é uma forte evidência prima facie que isto na verdade é uma crença metafísica.
Uma citação final sobre Hull é instrutiva:
Outra ambigüidade ainda surge constantemente em nossas discussões sobre teorias científicas. Elas são hipóteses ou fatos? Elas podem ser “provadas”? Os cientistas têm o direito de dizer que “sabem” de tudo? Enquanto eu entrevistava os cientistas, engajado nas controvérsias sob investigação, eu perguntei, “Você acha que a ciência é provisional, que cientistas devem estar dispostos para reexaminar qualquer idéia que eles sustentam, se necessário?” Todos os cientistas que eu entrevistei responderam afirmativamente. Posteriormente, eu perguntei, “A teoria evolucionária poderia ser falsa?” A esta questão eu recebi três diferentes respostas. A maioria respondeu de imediato que não, ela não pode ser falsa. Vários oponentes do consenso então atualmente responderam que não apenas poderia ser falsa, mas que também ela era falsa. Uns poucos sorriram e me pediram para esclarecer minha questão. “Sim, qualquer teoria científica poderia ser falsa sumariamente, mas dado o atual estado de conhecimento, os axiomas básicos da teoria evolucionária são apropriadas para continuar a se levar investigações.”
Filósofos visam objetivar uma maleabilidade conceitual. Cientistas fazem isso também – quando esta maleabilidade funciona contra eles. Caso contrário, eles não se importam muito. Na realidade, eles se irritam quando algum pedante aponta isso.
A maioria dos cientistas não é inclinada filosoficamente e eles farão uso de qualquer coisa que ajude em seus trabalhos, mas não da forma como Feyerabend pensava. Cientistas reflexivos sabem que o que conta é como você questiona a questão. A maioria dos físicos não irá imediatamente pensar que a teoria atômica poderia ser falsa, também. Eles estão respondendo à questão “É mais apropriado suspendê-la mais tarde?”, não ao filosófico “poderia teoricamente ser suspensa?”, o que é um problema diferente. Filósofos fazem uma arrumação conceitual, entre outras coisas, mas cientistas são os que fazem toda a serragem na oficina, e eles precisam não ser tão arrumados. E nenhum faxineiro deve dizer a qualquer profissional (outro que não faxineiros) como deve ser feito. Criacionistas que dizem “se a evolução não é como Popper disse que ciência deveria ser, então não é ciência” são como porteiros que dizem que professores não deixam suas salas-de-aula limpas o suficiente, então não são professores.
Category Filosofia e Evolução | Tags: ciência, falseabilidade, Kuhn, Popper
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