RSS Feed

Variação e Evolução

0

abril 20, 2018 by administrador

Rubens Pazza, 2005

É impossível negar que haja variação na natureza. Por variação estamos entendendo formas diferentes pelas quais uma determinada característica se apresenta. Esta variação pode ser observada em uma diversidade de caracteres, como as cores de um gato Persa, as formas do bico de um tentilhão, a capacidade que uma bactéria pode ter em resistir à ação de antibióticos, enfim, em praticamente qualquer traço na natureza.
Estas variações sempre dificultaram as tentativas do homem de encontrar uma ordem na natureza, como buscou Linnaeus, por exemplo. Ou, pelo menos, dificultam a busca por limites claros entre espécies distintas.

Mas o que é esta variação? Como surge? Qual seu papel na evolução biológica?
Com os experimentos de Morgan, Bridges e Sturtevant no início do século XX, bem como com a elucidação da estrutura do DNA por Watson e Crick em 1953 e da dissecação do gene por Benzer por volta dos anos 60, a biologia molecular ganhou bastante autoridade na explicação da formação das características e do surgimento delas. Morgan e seus alunos induziam mutações nas moscas-da-fruta (Drosophila) e observavam que tais mutantes, com uma característica variante, podiam transmitir estas características aos descendnetes da mesma forma que Mendel havia observado no século XIX. Associando cruzamentos com diversos variantes, Sturtevant, aluno de Morgan, demonstrou o primeiro mapa genético, localizando a ordem correta e a distância de cinco genes no cromossomo X da drosófila. Experimentos como os deles e de inúmeros outros posteriores nos permitem explicar os processos causadores das variações e suas implicações nos processos evolutivos.

É importante observar que quando falamos de variação, em geral nos referimos a uma variação fenotípica, ou seja, o produto observável dos genes. Este produto pode ser refletido em variação na cor de pêlos, forma do corpo, comportamento, etc. Entretanto, nem toda variação observada na natureza reflete variação genética. Algumas vezes um mesmo gene (ou conjunto de genes para uma determinada característica) pode manifestar-se diferencialmente dependendo das condições ambientais. Isto nós chamamos de plasticidade fenotípica. Em geral, tais processos estão relacionados com aclimatação e não com adaptação. Aclimatação é a capacidade de um determinado indivíduo de alterar seu metabolismo frente às alterações no ambiente. É como um mecanismo de compensação, muito diferente de adaptação, que envolve indivíduos variantes e algumas gerações. Um exemplo de aclimatação é o que acontece quando viajamos para algum lugar em uma altitude elevada. Em tais locais, com o ar rarefeito, a concentração de oxigênio está abaixo do necessário para nossas atividades normais, causando sintomas como tonturas e náuseas. Para compensar, nosso organismo produz mais glóbulos vermelhos e altera nossa taxa respiratória, aumentando a eficiência na captação de O2. Assim, dizemos que houve uma aclimatação ao ambiente. Esta variação não é permanente e não é transmitida aos descendentes, embora o potencial para tal o seja.

Assim, as variações observadas pela evolução precisam ser decorrentes de variações genéticas interindividuais, não de diferenças na expressão gênica em um mesmo indivíduo frente a alterações ambientais.

Fontes de variação

As variações de que estamos falando são decorrentes de alterações na seqüência de nucleotídeos do DNA presentes em certos indivíduos de uma população. Embora nem todas estas alterações tornem-se perceptíveis fenotipicamente, pois apenas uma pequena porção do DNA de boa parte dos organismos vivos, incluindo o homem, é codificadora, estas alterações permanecem gravadas no genoma dos organismos. Desta forma, podem ser estudadas por vários métodos, como marcadores moleculares e sequenciamentos de DNA.

Então como surgem as variações? As variações surgem de várias maneiras.

– Mutações Gênicas – São alterações na seqüência de nucleotídeos do DNA. Podem ser principalmente deleções e duplicações, inserções ou substituições.
A ação de agentes mutagênicos, como radiações, e alguns produtos químicos, provocam as chamadas mutações induzidas. A ação destes mutágenos causa alterações químicas no DNA, podendo modificar bases nitrogenadas, substituindo uma base por outra, por exemplo.

Por outro lado, algumas mutações são decorrentes de processos internos, próprios do organismo. São as mutações espontâneas. O erro de cópia da enzima DNA polimerase, responsável pela replicação do DNA que acontece a cada divisão celular, é um importante fator promotor de variação. Embora em geral possua um sistema de reparo próprio, a DNA polimerase pode acrescentar um nucleotídeo errado a cada certo número de divisões celulares (esta taxa é variável entre as DNAs polimerases de diferentes organismos).

Além de acrescentar um nucleotídeo errado eventualmente, regiões repetitivas do genoma fornecem um fator a mais, a possibilidade de deslizes da DNA polimerase (slippage). O slippage acontece quando a DNA polimerase avança ou recua em uma região repetitiva, aumentando ou diminuindo o número de repetições do bloco de DNA repetitivo.

– Recombinação – A recombinação é outra importante fonte de variação. Consiste na troca de segmentos de cromátides entre dois cromossomos homólogos durante o início da meiose (processo de divisão celular que produz gametas em organismos diplóides). O processo de recombinação permite que alelos de genes diferentes sejam embaralhados, aumentando a diversidade existente em uma assombrosa proporção.

– Segregação Independente – Durante a anáfase I da meiose, os cromossomos homólogos que estavam pareados e sofreram recombinação são puxados para pólos opostos da célula. O número de células gaméticas distintos será proporcional ao número de cromossomos de uma espécie, uma vez que cada par cromossômico é, em geral, independente do outro. No ser humano, por exemplo, há 223 possibilidades, pois temos 23 pares de cromossomos.

– Rearranjos Cromossômicos – Embora alguns autores sugiram que rearranjos cromossômicos são mutações, prefiro considerá-los à parte. Os rearranjos cromossômicos são macroalterações na estrutura cromossômica. Podem ser deleções, duplicações, inversões, transposições e translocações de segmentos de tamanho variável de um cromossomo. Duplicações e deleções promovem ganho ou perda de material genético, respectivamente.

Papel das variações na evolução

Todos estes mecanismos acima citados são fontes de variação. Todos eles são responsáveis pela biodiversidade em maior ou menor extensão. Segundo Mayr (1963), tais variações genéticas manifestam-se no fenótipo de várias maneiras, e o estudo destas mudanças fenotípicas tem sido a base da maioria das teorias e hipóteses de especiação. Atualmente, não só as mudanças fenotípicas são levadas em consideração, mas também a variação na seqüência de nucleotídeos de determinadas regiões do genoma podem ser utilizadas para mapear tais alterações e fazer a reconstrução da árvore filogenética de um grupo de espécies próximas.

Mark Ridley (2004) classifica as variações em diferentes níveis de observação: morfológico, celular, bioquímico e de DNA. Esta variação pode acontecer entre indivíduos de uma mesma população ou entre populações diferentes. Uma população que contém mais do que uma forma reconhecível de uma determinada característica é chamada polimórfica (e a condição é chamada polimorfismo). Tais polimorfismos intrapopulacionais, assim como diferenças interpopulacionais são combustível para a evolução, pois possibilitam que uma sobrevivência diferencial, aleatória ou selecionada, altere a frequência de tais características nas populações, ocasionando evolução.
Uma vez que há variação na natureza, é inevitável que a freqüência de variantes flutue ao longo das gerações, ou seja, é inevitável que evolução aconteça.

Referências:

Griffiths, A.J.F.; Gelbart, W.M.; Miller, J.H.; Lewontin, R.C. (1999). Modern Genetic Analysis. W.H. Freeman and Company, New York, USA. 675p.

Mayr, E. (1963). Populations, Species, and Evolution. Harvard University Press. London, UK. 453p.

Maynard-Smith, J. (1975). The Theory of Evolution. Cambridge University Press (Canto Edition, 1993). Cambridge, UK. 354p.

Ridley, M. (2004). Evolution. 3rd Edition. Blackwell Publishing, Oxford, UK.751p.


0 comments »

Você precisa fazer o login para publicar um comentário.