Ciência e Religião – Entrevista com Kenneth Miller
0outubro 14, 2015 by Cesar Aguiar Filho
Entrevista com Kenneth R. Miller, dezembro de 2004.
Será que a ciência e a religião governam um ao outro?
Miller: Não, eu certamente acho que não podem. Eu acho que toda a tradição da ciência ocidental é que a ciência e a religião não são mutuamente exclusivas. Há muitas pessoas da comunidade cientifica, nos Estados Unidos e ao redor do mundo, que detêm fortes pontos de vista religiosos e não há conflito com o trabalho cientifico ou mesmo com a filosofia da ciência.
A ciência pode provar ou refutar a existência de um ser superior?
Miller: Não, ela não pode. A existência de um ser superior não é uma questão cientifica. Um ser supremo está fora da natureza. Ciência é um processo naturalístico e só pode responder questões sobre a natureza. Além disso, é tudo uma questão de crença pessoal.
Como é possível acreditar na evolução de um mundo complexo e Deus?
Miller: Essa é uma pergunta interessante. Deus, para aqueles de nós que acreditam Nele, é o Criador e o Mestre do universo. Como C. S. Lewis disse, “[Deus] gosta do assunto. Ele inventou isso.”. Parece-me que um Criador todo poderoso, que está por trás de todo o material do universo e das leis que governam as interações entre esses materiais, seria capaz de realizar qualquer objetivo que ele queira em termos de processos, a arquitetura, ou a materialização final do universo.
Agora, o que eu não acho útil é especular o que exatamente na física, química, ou processos biológicos que poderiam ser atribuídos à Deus, ou identificados como trabalhos mágicos de Deus. Eu acho que tanto a tradição religiosa ocidental e a própria Escritura nos diz que Deus é muito sutil e Ele pode usar muitas maneiras de realizar seus fins.
Se um ser supremo coloca a evolução em movimento, os humanos, então, têm uma responsabilidade moral para o cuidado do planeta?
Miller: Ah, essa é uma pergunta muito boa. Eu acho que a resposta para essa é certamente “ Sim”. Vamos falar sobre isso biologicamente primeiro. Nós somos as coisas mais brilhantes nesse bloco. Tornamos-nos o grande mamífero mais comum na Terra. Temos esse poder concedido hoje, mas a 500 anos isso não era verdade. Nós não éramos o grande mamífero mais comum na Terra. Isso significa que, em termos de impactos ecológicos, nossa espécie é única. Nós temos a possibilidade de fazer muito o bem, de fazer muitos danos, ou causar mais extinções que qualquer organismo no planeta. Então nós temos que usar nossa responsabilidade com sabedoria.
Para um ponto de vista religioso, há todo um movimento da teologia cristã, conhecido como o Movimento de Ecologia Cristã. Ele leva muito a serio a advertência bíblica de que devemos ser os administradores da Terra. Nós somos os guardiões da Terra. A Bíblia está preenchida com parábolas sobre o criado sábio e o insensato. O cuidado com a Terra, em particular, é uma área onde os sentimentos religiosos e científicos se coincidem.
Em seu livro, Descobrindo o Deus de Darwin, você escreve, “na natureza, não descrita e inexplorada, nós encontramos o Criador trabalhando.” Como a sua opinião é diferente da dos criacionistas ou defensores do design inteligente, que argumentam contra a evolução?
Miller: Eu acho que a maior diferença, e a maneira direta para identificar essa diferença, é dizer que os criacionistas inevitavelmente olham para Deus onde a ciência ainda não explicou ou que dizem que a ciência não pode explicar. A maioria dos cientistas que têm um olhar religioso olham para Deus nas coisas que a ciência entende e explica. Assim, a maneira como minha visão é diferente da dos criacionistas ou dos defensores do design inteligente é que eu acho o conhecimento uma razão convincente para acreditar em Deus. Eles acham a ignorância uma razão para acreditar em Deus.
Você também escreve no mesmo livro, “Há um problema mais profundo causado pelos opositores da evolução, um problema para a religião.” Por favor, explique.
Miller: Quando a religião se posiciona em conflito com a ciência, isto é, quando a religião diz que temos que rejeitar as explicações cientificas por motivos religiosos, basicamente significa que toda vez que a ciência avança em conhecimento, a religião se contrai. Se você define a religião como sendo as coisas que a ciência não pode explicar, toda vez que o reino da ciência se expande – e todo ano nós entendemos um pouco mais sobre a vida, o mundo ao nosso redor, e o cosmos – essas áreas se tornam menores. Eu acho, finalmente, que a rejeição da ciência, e a rejeição da evolução pelo movimento criacionista, é um erro para a religião pois essencialmente argumenta que a religião desaprova os mecanismos e ferramentas da ciência. Isso é um profundo erro teológico.
Por que a evolução continua sendo uma ideia perigosa para alguns americanos?
Miller: Eu acho que a evolução continua sendo uma ideia perigosa por dois motivos:
1 – Muitas pessoas da comunidade religiosa continuam a acreditar que a evolução não pode ser reconciliada com religião. Isso simplesmente não é verdade. A maioria das pessoas entende isso, mas não todos.
2 – Evolução diz sobre algo muito fundamental. Evolução é controversa pela mesma razão que você pode começar uma briga por entrar em um bar e dizer algo sobre a mãe de outro. Trata-se de onde viemos, sobre nosso estado como humanos, e como nos relacionamos com o resto da vida na Terra. Isso vai causar uma ideia controversa, não somente nos americanos, mas também em qualquer outros lugar ao redor do mundo.
Como a ciência deve responder à esse publico que teme a evolução?
Miller: A ciência pode responder das seguintes formas:
1 – O primeiro passo é responder às questões que são frequentemente colocadas contra a evolução. A acusação de que a evolução não é uma boa ciência – que não existem formas de transição, que o mecanismo da evolução não funciona, e outras acusações – podem facilmente ser respondidas pela literatura cientifica.
2 – O segundo, é enfatizar o fato das ideias cientificas serem diferentes das ideias religiosas e, portanto, a ciência em geral, e a evolução em particular, não apresenta uma ameaça obrigatória para a religião.
3 – O último caminho para responder é simplesmente fazendo boa ciência. A biologia evolutiva é fundamentalmente uma teoria útil. É uma teoria cuja aplicação e pratica em laboratórios a cada dia produz resultados científicos úteis. O povo americano é um povo de resultados práticos e consequências. Quando algo funciona, quando algo é prático, quando algo dá dinheiro, é respeitado pelo povo americano, e a evolução pode ser todas essas coisas.
Em algumas regiões dos Estados Unidos, professores são encorajados, às vezes forçados, por suas instituições a ensinar ideias “alternativas” da evolução. Qual a sua resposta para isso?
Miller: Desapontamento. Se essas ideias estão sendo oferecidas como alternativas genuinamente científicas, se forem ideias que tiveram apoio significativo dentro da comunidade científica ou evidência experimental substancial, pode ser interessante incluir nas aulas de ciência.
Infelizmente, as “alternativas” que atualmente são oferecidas não são totalmente científicas. A inserção da ideia de uma terra jovem criacionista, requer a rejeição da astronomia, física, química e biologia, bem como, no currículo científico faz tanto sentido como ensinar bruxaria na escola de medicina. A outra alternativa proposta, chamada de “design inteligente”, nem sequer subiu ao nível de ser uma hipótese científica. Não tem nenhum poder explicativo e não aborda problemas científicos, por nada mais do que um apelo a um “designer”. Desde que tal apelo não pode ser testado, ele não equivaleria a ciência e pode induzir erro aos estudantes sobre a natureza da ciência e da evidência científica.
Originalmente publicado em ActionBioscience.org. Traduzido e publicado com permissão.
Tradução: Cesar de Aguiar Filho
Category Temas Polêmicos | Tags: criacionismo, Design Inteligente, ensino de evolução, religião
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