Enquanto isso, na Europa…

No texto anterior, comentei que o Instituto Royal realiza testes que são padronizados internacionalmente, inclusive obedecendo normas da União Europeia e que, por fim, não está fora da legislação. Pois bem, me questionaram como isso é possível se a União Europeia baniu a comercialização e testes de cosméticos desde 11 de março de 2013?

Em 2003, o Parlamento Europeu aprovou a sétima emenda da legislação europeia sobre cosméticos, datada de 1979. Esta regulamentação trata de todos os aspectos da indústria de cosméticos, desde o que é um cosmético até os tipos de ingredientes que são permitidos ou proibidos, bem como os testes que devem (e os que podem) ser feitos. Nesta emenda, o Parlamento proibe os Estados Membros de comercializar produtos cosméticos cujos testes de segurança não forem realizados com métodos alternativos devidamente validados junto à OECD (ver texto anterior), e também cujos ingredientes não forem testados da mesma forma. Também proíbe os testes nestes países do produto final do cosmético e dos ingredientes. Todos aqueles produtos e ingredientes testados em animais e utilizados antes desta nova legislação permanecem em uso.

Coube à uma Comissão das Comunidades Europeias determinar os prazos para isso. Para alguns testes cujos métodos alternativos já haviam sido validados ou cuja validação seria alcançada em pouco tempo, o prazo foi até 11 de Março de 2009. Entretanto, para os demais testes (toxicidade de repetição de dose, toxicidade reprodutiva e toxicocinética) e sua comercialização, estabeleceu-se o prazo de 11 de Março de 2013, independente de haver metodologias alternativas. Em 30 de Novembro de 2009 o Parlamento Europeu aprovou uma regulamentação que substitui a extensamente emendada regulamentação sobre cosméticos de 1979 (Regulamentação 1223/2009).

Ficou a critério da Comissão realizar uma avaliação próximo à data limite do último prazo para definir se o mesmo poderia ou deveria ser estendido. No dia 11 de Março de 2013 a Comissão optou por manter o banimento. Isto significa que qualquer novo produto cosmético só pode ser comercializado na Europa desde Março deste ano se for testado utilizando métodos alternativos validados. Infelizmente, conforme os prognósticos anteriores já demonstravam, não foi possível desenvolver e validar métodos alternativos para todos os procedimentos. No entanto, a Comissão não deixou no vácuo, mas investiu neste tipo de pesquisa, assim como a indústria tem feito desde então, como pode ser observado no “press release” da divulgação da manutenção do banimento. A necessidade de que o produto seja seguro para uso humano, entretanto, permanece.

A legislação europeia também prevê que os estudos não podem ser conduzidos na Europa e em nenhum outro lugar. Ou seja, não adianta realizar os testes no Brasil para vender os produtos seguros na Europa. Eles continuarão banidos lá. E não adianta fazer os testes com animais no Brasil, por exemplo, e dizer na União Europeia que foram realizados com métodos alternativos, uma vez que tais métodos alternativos precisam ser validados. Aliás, vale relembrar que o processo de validação requer que o método alternativo seja no mínimo tão eficiente quanto o teste em animais para garantir a segurança do uso do produto em humanos. Os testes de validação são avaliados na Europa por um órgão responsável, o EURL ECVAM (Laboratório de Referência da União Europeia para Alternativas a Testes com Animais). Novas diretrizes são então encorporadas nas normas em vigência e passam a nortear os demais estudos.

Dentre os fatores que fizeram com que a Comissão optasse por manter o banimento está o fato de que desde 2009 não houve grandes perdas para a indústria de cosméticos com o banimento parcial. Também pudera, para aqueles testes já havia ou testes validados ou em validação. Assim, a Comissão reservou para si o dever de acompanhar o andamento da situação e pode voltar atrás a qualquer momento, caso isso possa vir a causar um problema econômico para a Europa (que quase não vive problemas econômicos, não é mesmo?). Afinal de contas, esta legislação não existe em outros países. Pelo contrário, os outros países, como EUA e Japão (e Brasil) exigem os testes em animais para a liberação segura dos produtos. Se métodos alternativos não puderem ser desenvolvidos (e pode ter certeza de que muitos deles não serão nos próximos anos – já discuti isso em outro artigo) a inovação da indústria de cosméticos na Europa pode ficar comprometida. Anualmente a Comissão deverá liberar um relatório sobre os impactos do banimento.

Existe ainda aqui duas questões que precisam ser discutidas. A primeira é que, ao mesmo tempo em que a União Europeia promove um calendário para banir o uso de testes em animais na indústria de cosméticos, ela determina a REACH – Regulation on Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals (Regulação sobre o Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Produtos Químicos). O principal objetivo da REACH é promover um alto nível de proteção humana e ao meio ambiente dos riscos que possam ser causados por agentes químicos, além de promover os testes alternativos. Como você já deve ter entendido, não há testes alternativos para a maior parte dos estudos, logo, de 2007 para cá inúmeros testes com animais foram desenvolvidos pela própria União Europeia. Obviamente tudo realizado dentro das mais rígidas normas, em acordo com os 3R – refinamento, redução e reposição.

Tendo a REACH como base, como ficam os ingredientes de cosméticos? A própria Comissão dá a resposta: “Ingredientes utilizados em cosméticos em geral também estão sujeitas aos requisitos horizontais da REACH, e testes em animais podem ser necessários como último recurso para complementar os respectivos pacotes de dados”. Ou seja, se os ingredientes estiverem no cadastro, serão testados.

Em segundo lugar, há que se convir que nem todos os ingredientes utilizados em cosméticos são exclusivamente desenvolvidos para cosméticos. Isso significa que determinados ingredientes que podem ser úteis para outros fins, como na indústria farmacêutica e de alimentos, por exemplo, vão poder ser testados e utilizados em cosméticos. Na prática, os novos ingredientes continuarão a ser testados.

Ou seja, nem tudo é preto no branco, oito ou oitenta. Há inúmeras questões em jogo e a mídia em geral não entra nestes detalhes. Por isso é sempre bom ir até as fontes. E pensar um pouco por si mesmo. Até onde se pode analisar com os dados disponíveis, não há sinal algum de maus tratos ou de crime cometido pelo Instituto Royal. E tem mais um detalhe, as normas para uso de animais em pesquisa são extremamente rígidas, não só no Brasil, que teve sua legislação atualizada com a Lei Arouca em 2008 (Lei nº 11.794, de 08.10.2008), mas também na Europa, que aprovou em 2010 suas novas diretrizes. Quaisquer estudos com animais precisam respeitar estas normas.

O caminho para deixarmos de usar animais na pesquisa é trabalhoso, complicado e demorado. E talvez jamais chegue definitivamente. Mas você pode ter certeza de que muita coisa já mudou nos últimos 50 anos.

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