Uma contribuição para continuar o debate sobre como é fazer ciência no Brasil. No futuro posso abordar algumas questões de modo mais aprofundado, mas por enquanto é uma forma de complementar a informação do blog da profa. Dra. Suzana Herculano.
Você realmente quer ser cientista no Brasil? O caminho a seguir, especialmente se você quer ter um mínimo de autonomia, é através de concurso público, sendo as Instituições Federais de Ensino onde se oferecem a maioria das vagas. Você é concursado para ser docente na graduação e pode ocupar seu tempo da Dedicação Exclusiva em tempo integral em atividades de pesquisa científica.
A Dra. Suzana Herculano toca em uma questão crucial em seu texto – o salário dos cientistas. Sim, é um ponto crucial, pois, ninguém vive de vento. Não tenho nada a acrescentar em relação ao que ela escreveu sobre o tempo da pós-graduação, aquele momento em que todo mundo acha que você está recebendo para estudar, quando na verdade não passa de mão de obra barata. O valor da bolsa de mestrado é inferior ao piso de qualquer profissão, lembrando que estes estudantes são profissionais formados.
Em relação a salários, desde setembro de 2012 quando o texto foi publicado algumas questões mudaram, como o valor do salário inicial base nas Instituições de Federais de Ensino (IFEs), que passou para cerca de R$3.500,00 incorporando uma antiga gratificação por docência (que diga-se de passagem era ridícula, uma vez que os servidores são concursados para lecionar). Somado à retribuição por titulação, chega-se em torno dos R$7.600,00. O que não se pode esquecer é que, como todo brasileiro, paga-se o Imposto de Renda (27%) e é descontada a contribuição previdenciária. Aqui tem um detalhe que muitos não sabem, mas ao invés de contribuir pelo teto, como os demais, a contribuição é integral (11% do valor acima), com a diferença que desde o início do governo Lula, em 2003, os professores não têm mais aposentadoria integral. Ou seja, você vai contribuir com valor cheio para sua aposentadoria, e vai receber pelo teto.
Ora, sempre tem a iniciativa privada, não é mesmo? Não, não é. Em Universidades privadas, salvo raríssimas exceções, o salário pago é exclusivamente por hora em sala de aula. Fui docente em uma Universidade privada que me pagava mesmo tendo doutorado o mesmo que pagava para um especialista. Eles não se importavam com o título, exceto na hora das avaliações, aí seu currículo é bom. Depois de dois anos consegui a proeza de ser pago por mais duas horas para me dedicar inteiramente à pesquisa (sim, é uma ironia, pois sem estrutura laboratorial, duas horas se pode fazer o quê? Tentei fazer alguma coisa, mas…).
Bom, mas eu nem estava muito interessado em abordar a questão salarial, que já foi bem descrita pela profa. Suzana. Eu acho outras questões ainda mais cruciais.
Então você fez sua pós-graduação em um bom lugar, teve condições e recursos de reagentes e infraestrutura para desenvolver sua pesquisa. Tendo defendido seu doutorado, consegue se estabelecer através de concurso público em uma das milhares de vagas que foram abertas pelo governo nos últimos anos. A maioria destas vagas em campus fora de Sede no interior, ou em cursos recém abertos onde o MEC tem exigido uma dedicação à docência bem superior ao que os docentes mais antigos das IFEs tinham costume. Neste último caso, você passará boa parte do seu tempo em sala de aula e, se tiver sorte, conseguirá se associar a algum grupo de pesquisa já consolidado, e poderá desenvolver suas atividades científicas, mesmo que seja no guarda-chuva do chefe do laboratório. É claro que há possibilidades melhores, mas não são regra.
O mais fácil de acontecer é você ir para o interior, onde faltam profissionais. Alguns concursos públicos no interior são pouco concorridos. Assim que você entra você percebe o porquê. Em um campus fora de Sede, no interior, você precisa construir tudo. Isso é muito bom para quem tem capacidade empreendedora, mas não é fácil. Para montar um laboratório de pesquisa terá que suar bastante e ter alguma sorte. Não há editais das agências de fomento específicos para se montar um laboratório de pesquisa. No Estado de São Paulo a FAPESP tem este tipo de modalidade, mas não sei mais como estão suas prioridades em relação à instituições ou linhas de pesquisa. Fora disso, a verba disponível em geral é menor do que a disponibilizada para quem já está com laboratório consolidado. Ou seja, para você montar seu laboratório, você terá menos recursos do que se tivesse com laboratório montado. Assim, esqueça tudo que você fazia na sua pós-graduação, pois vai demorar até ter condições de desenvolver o mesmo tipo de trabalho (estou falando da área de Ciências Biológicas). Demorando para desenvolver o mesmo tipo de trabalho, você vai presenciar uma queda em seu ritmo de publicações e, com isso, uma dificuldade maior para aprovar recursos para novos projetos, equipamentos, reagentes, etc.
Esta é a parte mais frustrante do trabalho de cientista no Brasil. Não existe incentivo para fixar os doutores nos empregos novos que se está criando com REUNI e outros programas de expansão do governo. O modo de pensar do governo é que se eu não quero o emprego, outro quer. O problema é que com isso os bons pesquisadores, ao perceberem que entraram em um beco-sem-saída dão um jeito de cair fora, pois bons pesquisadores podem ter outras oportunidades melhores (alguns até preferem continuar com bolsas de pós-doutorado a encarar esta situação). Com isso, em muitos casos o nível das pesquisas no interior fica comprometido. É claro que ser bom pesquisador não significa ser bom professor, e as universidades precisam de docentes, não é isso? Não, não é isso. Universidade é um local de geração de conhecimento, não de propagação de conhecimento. Só para propagar conhecimento bastaria ter mais bolsas do PROUNI nas instituições privadas que, em geral, se dedicam mais ao ensino e não à trindade universitária ensino – pesquisa – extensão.
A burocracia do processo de tentativa para conseguir recursos para pesquisa também é um ponto crítico. A demora na resposta frente ao nosso tão conhecido problema de câmbio complica tudo. Para se ter uma ideia, estou fazendo cotação agora de equipamentos que, se eu conseguir aprovar a verba, o dinheiro estará disponibilizado daqui a mais de um ano. Mais de um ano. Até lá o preço do produto é outro, minhas necessidades são outras, pois posso ter problemas em um equipamento que hoje está funcionando, enfim.
Eu imagino um cenário ainda pior para este grande contingente de estudantes que estão realizando estágio no exterior através das bolsas do programa Ciência sem Fronteiras. O pesquisador toma contato com o que há de mais moderno em pesquisa para retornar ao Brasil e não poder continuar. Frustrante, não?
Se não bastasse tudo isso, ainda tem os pareceres esdrúxulos que recebemos das agências de fomento, além da desculpa de que há muito mais demanda do que verba disponível, e enquanto isso, alguns aprovam projetos sem que se possa entender como. Aí geralmente entra seu grau de amizade com os demais pesquisadores de sua linha de pesquisa. Somos humanos, demasiado humanos. Existe uma tendência em proteger os amiguinhos e deliberadamente prejudicar quem não fala amém.
Uma vez me disseram, “quem não puxa saco puxa carroça”. Que seja assim. Continuo puxando carroça, mas com a consciência tranquila.
Olá! Meu nome é Daniel, e estava querendo fazer biotecnologia e focar na área da saúde ou biomedicina para futuramente ser cientista, amo ciência e não me vejo em outra carreira atualmente e estava muito animado e entusiasmado! Até ler blogs falando que ser cientista no Brasil é um terror, sabia um pouco das condições do Brasil, mas não imagina que a situação estivesse tão caótica assim!
A única solução seria trabalhar no exterior. São pequenas as chances para um brasileiro? O que teria que fazer para conseguir um emprego?
Olá Daniel,
Realmente, o caminho não é fácil, mas não vejo como algo desesperador. No caminho de várias profissões há problemas e falta de reconhecimento. Se é isso que você tem vontade de fazer, faça, pois mesmo com dificuldades, você será feliz.
Bom, as condições para se fazer pesquisa e ciência no exterior são melhores sim. No entanto, não exatamente para se conseguir um emprego. Estive em um evento no México em Março e conversei com pesquisadores de vários países como EUA, Japão, China, França, Alemanha, México e Israel, por exemplo. A grande maioria deles era de pós-doutorandos que não conseguiram uma colocação fixa. Bolsas de doutorado ou pós-doutorado são relativamente fáceis de se conseguir, mas elas tem data e hora para acabar. Ninguém quer isso. Todos querem um emprego. E aí as coisas estão melhores por aqui.
A única coisa é ter em mente que terá que se esforçar e se destacar não só nos estudos de sala de aula, mas também nas atividades extracurriculares se quiser se dar bem. Terá que ter perseverança e não pode ficar esperando que as coisas caiam em suas mãos.
Além disso, até você sair com a formação, quem sabe as coisas não mudaram?
Espero que mudem!