Aberrações do jornalismo científico

Este texto veio direto do túnel do tempo, recuperado com ajuda do amigo Julián Catino. Foi uma resposta a uma matéiria horrível publicado na revista IstoÉ em 2009 – “Os domadores de Titã“, de Fabiana Guedes, veiculada na edição 2078. Aqui, na íntegra.

Há algum tempo tenho observado os artigos sobre ciência em jornais e revistas nacionais e não lembro de erros tão grotescos como os que foram cometidos por Fabiana Guedes, no número 2078, “Os Domadores de Titã”. Em poucas linhas a autora conseguiu reunir uma coleção de erros absurda.

O artigo da IstoÉ trata-se da divulgação de uma notícia que foi publicada no site da revista New Scientist ainda em Junho deste ano (veja aqui) sobre um artigo publicado no periódico científico The Journal of Physical Chemistry A (veja o artigo), de autoria de pesquisadores brasileiros. O artigo científico trata da síntese de adenina, uma base nitrogenada presente nos ácidos nucléicos (DNA e RNA) utilizando-se raios-X nas condições simuladas da atmosfera do grande satélite de Saturno. Ainda nos anos 80, uma equipe, na qual participava inclusive Carl Sagan, conseguiu sintetizar adenina utilizando faíscas elétricas simulando relâmpagos. A falta de evidências sobre a existência de relâmpagos em Titã acabou descartando a hipótese.

Sobre o artigo da IstoÉ, é preciso fazer alguns comentários. De início ela trata a revista “New Scientist” como sendo americana, quando é inglesa, e como sendo “uma das bíblias da comunicação científica mundial”, quando na verdade se trata de uma revista de divulgação científica, tal qual a Scientific American (esta sim, americana).
Em seguida ela comenta sobre a descoberta de cientistas brasileiros – a simulação do ambiente de Titã com a síntese de adenina. Fabiana Guedes trata a adenina como uma proteína, quando na realidade não tem nada a ver com isso. Uma proteína é um polímero de aminoácidos, são biomoléculas diferentes. Adenina trata-se de uma base nitrogenada, que faz parte da estrutura do DNA e RNA. São coisas completamente diferentes. É como, por exemplo, chamar um tijolo de areia ou algo ainda mais nonsense. Na sequência a autora escreve dando a entender que a adenina só existe no DNA humano, o que é outro erro absurdo, uma vez que os componentes do DNA são exatamente os mesmos em humanos, plantas, fungos, bactérias ou outros animais.
Pense dez vezes antes de ler uma notícia de divulgação científica em uma revista semanal do Brasil. É um desespero! Espero que em outras questões eles tenham maior cuidado.

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