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Espécies em anel – especiação ao vivo

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setembro 7, 2011 by administrador

Por Rubens Pazza, DSc., 2004.

Para entender como a evolução produziu a biodiversidade, é preciso estudar dois fatores: a) como as espécies mudam através do tempo e b) como uma espécie se torna duas ou mais. O primeiro deles é bastante estudado, como o desenvolvimento dos bicos dos tordos estudados por Darwin, a resistência de insetos a pesticidas, etc. Entretanto, alguns críticos da teoria da evolução argumentam que ela não explica de forma convincente a origem de novas espécies. Dizem que membros de uma espécie não podem se tornar tão diferentes de outros indivíduos através da variação natural a ponto de se tornarem duas espécies não intercruzantes.

Uma forma de se estudar a especiação indiretamente é através de variações geográficas, ou como as características dos organismos diferem de acordo com a localidade. Infelizmente, estudar diretamente a especiação é bastante difícil devido ao tempo necessário para ocorrer.

Um dos mais poderosos argumentos é o raro, mas fascinante fenômeno conhecido como “espécies em anel”. Isto ocorre quando uma única espécie se torna geograficamente distribuída em um padrão circular em uma grande área. Populações imediatamente adjacentes ou vizinhas da espécie variam pouco e podem se cruzar. Mas nos extremos da distribuição – as pontas opostas do padrão que se ligam para formar um círculo – a variação natural produz tantas diferenças entre as populações que elas funcionam como se fossem duas espécies separadas, não intercruzantes. Cerca de 23 espécies existentes apresentam estas características, mas duas de forma marcante: a salamandra Ensatina escholtzii, e o pássaro insetívoro Philloscopus trochiloides. Espécies em anel representam uma parte da história, onde vários estágios na formação de uma nova espécie são preservados e podem ser observados.

Um exemplo bem estudado de espécie em anel é a salamandra Ensatina escholtzii da Costa do Pacífico, nos Estados Unidos. No Sul da Califórnia, os naturalistas encontraram o que parecia duas espécies distintas. Uma delas, marcada com uma forte mancha escura em um padrão críptico de camuflagem. A outra mais uniforme e brilhante, com olhos amarelos, aparentemente mimetizando uma espécie venenosa de salamandras. Estas duas populações coexistem em algumas áreas mas não se intercruzam.

Em direção ao Norte do Estado, as duas populações se dividem geograficamente, com a forma escura críptica ocupando montanhas no interior e a forma mimética vivendo ao longo da costa. Ainda mais ao Norte, as duas populações se misturam, e somente uma forma é encontrada. Nesta área, é evidente que o que é visto como duas espécies ao sul são de fato uma única espécie com várias subespécies intercruzantes, juntando-se em um anel contínuo.

A história evolutiva que os cientistas tiveram que decifrar começava no Norte, onde apenas uma forma é encontrada. Esta é provavelmente a população ancestral. Ao sul, as populações se tornam divididas pelo Vale São Joaquim, formando dois diferentes grupos. Na Serra Nevada, as salamandras desenvolveram sua coloração críptica. Ao longo da costa elas gradualmente se tornaram mais brilhantes.

A divisão não era absoluta: alguns membros de subpopulações ainda se encontravam e se intercruzavam produzindo híbridos. Os híbridos parecem saudáveis e vigorosos, mas não eram bem camuflados nem bons mimetizadores. Assim, eram vulneráveis a predadores. Eles também tinham dificuldades de encontrar parceiros, por isso não se reproduzem com sucesso. Estes dois fatores mantém as duas formas intercaladas, embora possam se intercruzar.
Pelo tempo em que as salamandras alcançaram a região mais meridional da Califórnia, a separação permitiu que os dois grupos desenvolvessem diferenças suficientes para que se tornassem reprodutivamente isoladas. Em algumas áreas as duas populações coexistem, fechando o “anel”, mas não intercruzam. Elas são tão distintas como se fossem duas espécies separadas. Todo este complexo de populações pertence a uma única espécie taxonômica, Ensatina escholtzii.

Embora fascinante, ainda existem controvérsias sobre este exemplo ser ou não uma espécie em anel genuína. Existe uma quebra na distribuição além de outra área onde existe uma linha tênue na cadeia de formas diferenciadas mas intergradativas. Também, existe um debate sobre a mais apropriada taxonomia.

Outro exemplo, porém, satisfaz a maioria dos requerimentos para uma espécie em anel. É o caso do pássaro “greenish warbler” Phylloscopus trochiloides, que está distribuído em torno das margens do platô Tibetano, na Ásia e foi descrito pela primeira vez em 1938.

Em 2001, Irwin, Bensch e Price publicaram uma revisão sobre o caminho da especiação entre duas formas distintas do “greenish warbler” isoladas reprodutivamente. Estes dois taxa não intercruzam na Sibéria central, mas são conectadas por uma longa cadeia de populações intergraduadas ao redor do platô Tibetano ao Sul. As duas formas, viridanus e plumbeitarsus, diferem no padrão de cores, canto e características genéticas.

Pássaros do gênero Phylloscopus utilizam o canto para reconhecimento da espécie. As canções das duas formas reprodutivamente isoladas (viridanus no oeste e plumbeitarsus no leste) diferem descontinuamente na Sibéria Central. Experimentos com gravações de cantos demonstraram que os machos respondem fortemente a gravações feitas até em torno de 1000 a 1500km, não respondendo à gravações de cantos mais distantes. Ainda, os experimentos demonstraram que nenhuma das duas formas distingue o canto da outra como sendo da mesma espécie. Os machos de uma delas responde fortemente à gravação de sua própria canção, pensando que outro macho entrou em seu território. Entretanto, não respondem à canção da outra forma.

A filogenia com DNA mitocondrial demonstrou uma forte estrutura geográfica, com dois maiores clados representando os indivíduos do leste e oeste. Na Sibéria Central, a concordância entre os haplótipos (do leste e do oeste) e os cantos (de viridanus e plumbeitarsus) foi perfeita, não indicando nenhuma introgressão mitocondrial entre os dois taxa. Na região sul, a canção dos indivíduos carregando diferentes haplótipos não são distinguíveis, demonstrando o intercruzamento na chamada forma ludlowi.

A variação genética em dois marcadores de microssatélites confere com a árvore dada pelo DNA mitocondrial. Os dados genéticos aliados à variação do canto, indicam que existe fluxo gênico ao sul da distribuição, mas não ao norte. Os autores sugerem duas possíveis histórias biogeográficas. Na primeira, a espécie ancestral foi dividida em duas populações, uma ao oeste e outra ao leste. Estas populações então se expandiram e se encontraram no sul, onde intercruzaram e ao norte, onde não mais intercruzaram. Em um segundo modelo, uma espécie ancestral foi confinada ao Himalaia e desenvolveu estruturas genéticas como resultado do isolamento pela distância. A espécie se expandiu para o norte por dois caminhos, um pelo oeste e outro pelo leste da Sibéria.

Ao redor do anel do “greenisch warbler”, as duas formas reprodutivamente isoladas na Sibéria são conectadas por variações contínuas em todos os caracteres fenotípicos, incluindo o canto, padrão de plumagem e tamanho do corpo. Dois destes caracteres (canto e padrão de plumagem) são usados na corte e defesa de território. Ambos estes caracteres são distintos entre as duas formas isoladas reprodutivamente na Sibéria. Estas mudanças geográficas mostram como as mudanças graduais podem causar especiação.

Estes exemplos mostram que pequenas mudanças evolutivas podem se acumular, causando o aparecimento de uma nova espécie. Além disso, as espécies em anel são demonstrações de que a especiação pode ocorrer sem isolamento geográfico (simpatria).

Referências
Garcia-Paris, M; Good, D.A.; Parra-Olea, G.; Wake, D.B. (2000). Biodiversity of Costa Rican salamanders: implications of high levels of genetic differentiation and phylogeographic structure for species formation. Proc. Natl. Acad. Sci. 97: 1640-1647.
Irwin, D.E.; Bensch, S.; Price, T.D. (2001). Speciation in a ring. Nature 409: 333-337.
Wake, D.B. (1997). Incipient species formation in salamanders of the Ensatina complex. Proc. Natl. Acad. Sci. 94: 7761-7767.
Wake, D.B. (2001). Speciation in the round. Nature 409: 299-300.
Links
www.actionbioscience.org/evolution/irwin.html


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