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Desafios do ensino de Biologia Evolutiva no Brasil

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setembro 17, 2015 by administrador

Rubens Pazza e Karine Frehner Kavalco, 2011.

Resumo

Embora Darwin seja sempre lembrado como o pai da teoria evolutiva, a compreensão da evolução biológica como origem e manutenção da biodiversidade no planeta nem sempre é verificada na população em geral. Vários são os fatores que podem estar relacionados com a incompreensão da teoria evolutiva, dentre eles destaca-se a questão religiosa. Embora também freqüentes mas nem sempre dissociados deste fator principal, pode-se também destacar o despreparo dos professores de ensino médio, a escassez de material didático-pedagógico e a propagação de conceitos errôneos sobre evolução. Neste artigo, buscamos abordar estes temas levantando sugestões de como minimizar os problemas da aceitação do público e também na reparação de conceitos errôneos freqüentemente difundidos.

Introdução

A Evolução Biológica (ou a herança com modificações) (Darwin, 1859) é uma idéia bastante popular e intuitiva, e embora seja corroborada enfaticamente a cada nova publicação científica, entre o público geral é ainda pouco aceita como Lei Natural. É perfeitamente possível que todas as pessoas com o mínimo grau de instrução já tenham ouvido falar em Darwin, o “pai” da Teoria da Evolução. No entanto, a Teoria Evolutiva é possivelmente uma das leis naturais mais mal conhecidas pelo grande público, o que a torna peculiarmente fadada a incompreensões, desentendimentos e à disseminação de conceitos errôneos.

Não há nenhuma teoria científica, na concepção de ciência moderna, que seja concorrente da evolução biológica para a explicação do surgimento, manutenção e mudança da biodiversidade. É fato que os mecanismos e processos pelos quais os organismos vivos evoluem são objetos de muitos debates, conforme o avanço do conhecimento científico e tecnológico das diversas áreas biológicas permite estudos mais aprofundados. Aliás, esta é uma característica intrínseca do método científico. O acúmulo de quase 150 anos de estudos pós-Darwin apenas adiciona ao esqueleto original da teoria os exemplos e mecanismos da evolução das espécies, reforçando a famosa frase de Theodosius Dobzhansky (1973): “nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução”.

Como, então, uma Teoria ou Lei Científica tão unificadora e comprovadamente eficaz como a Evolutiva pôde enfrentar os problemas de aceitação amplamente divulgados pela mídia norte-americana ou ter sido considerada equivalente a mitos religiosos ou filosofias, as quais não passaram pelo crivo científico que certificou as idéias de Darwin e seus seguidores como Ciência?

Duas razões fundamentais podem ser levantadas para responder a esta indagação. A primeira tem um cunho pessoal, no sentido em que a reflexão sobre os pontos apresentados na Teoria da Evolução remete às questões mais íntimas do ser humano, sua fé e crenças, pois levanta explicações alternativas naturais para muitas perguntas fundamentais. Em muitos casos, tais questões de foro íntimo impedem a compreensão e aceitação dos princípios da biologia evolutiva, contribuindo de forma direta ou indireta para a manutenção e dispersão de conceitos errôneos sobre a evolução, a ponto de ser possível a identificação de críticas baseadas unicamente em espantalhos do que se acredita que seja evolução.

A segunda hipótese que pode ser levantada para explicar a resistência das idéias evolutivas como Lei Científica para público geral e que talvez seja indiretamente influenciada pela primeira (uma vez que a força da palavra de autoridades religiosas torna complicada a tarefa de professores e cientistas de ensinar e divulgar a evolução biológica), é a de que os conceitos evolutivos não seriam corretamente absorvidos pelos alunos, uma vez que estes carregam uma bagagem variada de erros conceituais dos mais diversos tipos, tornando um desafio para os educadores e divulgadores científicos brasileiros o ensino desta ciência.

Neste artigo, são levantados alguns pontos básicos acerca da problemática na aceitação e compreensão da teoria evolutiva pela população em geral, bem como os desafios dos educadores e divulgadores científicos brasileiros nesta questão.

Evolução x religião

Desde os tempos de Darwin até hoje, as maiores críticas à evolução estão associadas a grupos religiosos. Dentre estes, no ocidente destacam-se os grupos de origem abraâmica. O desentendimento acontece uma vez que, segundo os escritos sagrados dos cristãos, Deus teria criado todas as espécies exatamente como são hoje. A crença na intervenção de uma entidade superior na criação de tudo é chamada de criacionismo. No entanto, distintos grupos cristãos diferem em relação ao grau de aceitação da teoria evolutiva, que vai desde os literalistas bíblicos da Terra Jovem (que não aceitam as datações geológicas da idade da Terra, uma vez que a soma das idades dos patriarcas bíblicos fornece uma origem para o homem e para o universo criado por Deus há pouco mais de 6 mil anos), da Terra Antiga (que aceitam as idades da Terra e do Universo determinadas pela ciência) e outros tipos de criacionismos assumidamente cristãos, até o movimento neocriacionista do Desenho Inteligente (DI) (Scott, 1997).

Diferentemente de outras partes do mundo, especialmente os Estados Unidos da América, no Brasil nenhum destes movimentos é consideravelmente expressivo. Não há pressões para o ensino de criacionismo nas aulas de ciências como alternativa à evolução, exceto no Estado do Rio de Janeiro onde recentemente isto foi sugerido. Uma vez que o criacionismo não é ciência (nenhuma de suas vertentes), é evidente que não perder um tempo precioso de aulas de ciências com este assunto não é cabível. Tidon e Lewontin (2004) observaram que o tempo disponível para aulas de evolução no ensino médio é muito escasso, principalmente se considerarmos o papel importante da evolução conforme determinado, inclusive, pelo Ministério da Educação e Cultura (PCN Ensino Médio, 2002). O conhecimento científico cresce vertiginosamente, de modo a ser impossível acompanhar todas as mudanças nas salas de aula, ou teríamos que passar um tempo consideravelmente maior nos bancos da escola. Ou seja, não há motivo algum para perder tempo das aulas de ciências ensinando não-ciência ou pseudociência. Uma analogia interessante seria estudarmos os acontecimentos do livro “O Senhor dos Anéis”, da autoria de J. R. R. Tolkien, nas aulas de História. A diferença básica é que não há nenhum grupo organizado que acredite, e tente fazer acreditar, que os acontecimentos narrados por Tolkien são reais.

Um outro ponto a ser considerado é que criacionismo deveria ser ensinado? Inúmeros povos têm seus mitos de criação (Sproul, 1979; Leerning e Leerning, 1994; Bishop, 1998). O que tornaria um mais verídico que o outro, uma vez que adeptos de cada um destes mitos possuem provas de foro íntimo incontestáveis? Talvez o criacionismo que devesse ser ensinado é o mais amplamente difundido no Brasil, o criacionismo baseado na bíblia cristã. Entretanto, como vimos, não há consenso entre os criacionistas cristãos e, conseqüentemente, não é possível se determinar qual o criacionismo que se deve ser ensinado – Terra Jovem, Terra Antiga, Desenho Inteligente? Ainda, será que o espaço das aulas de ciências é o ideal para este tipo de abordagem? Não seria mais interessante que houvesse disciplinas mais inclusivas e reflexíveis para tal fim? Ou ainda, a educação familiar e religiosa não é suficiente para a transmissão destas tradições?

Uma das principais dificuldades na compreensão e aceitação da evolução, sem dúvida alguma, está relacionada com as doutrinas religiosas. Podemos conjecturar que o homem pergunta sobre suas origens e busca explicações para os fenômenos naturais desde muito tempo. Tal aspecto é demonstrado através de inúmeros mitos de criação criados e disseminados por diferentes povos (Sproul, 1979; Leerning e Leerning, 1994; Bishop, 1998; entre outros). Os judeus também disseminavam seus mitos, deixando registrado em escritos que hoje compõem parte da Tora judaica e da Bíblia cristã, no livro do Gênesis. Estes escritos, no entanto, fornecem subsídios para diferentes interpretações por parte dos teólogos, o que permite a aceitação gradual da teoria evolutiva, de acordo com tais interpretações (para uma revisão, ver Scott, 1997).

Embora o número de católicos tenha caído bastante de acordo com o último censo nacional, o número destes no Brasil é bastante superior ao de seguidores de outras religiões (IBGE, 2000). Scott (1997) afirma que a visão do evolucionismo teísta (no qual a evolução acontece, mas tudo foi criado e direcionado com intervenção divina) é a posição oficial da Igreja Católica e também vem sendo ensinada em seminários protestantes. Esta posição foi reiterada pelo papa João Paulo II em 1996. No entanto, até que ponto Deus intervém nos processos evolutivos permanece um ponto polêmico, e muitas vezes limitante na compreensão da evolução. O posicionamento materialista dos processos evolutivos que muitos cientistas – como Richard Dawkins (1987) e William Provine (1988) – tomam, no entanto, reforça o coro dos literalistas de que alguém não pode ser cristão e evolucionista ao mesmo tempo.

Uma vez que o comprometimento maior dos educadores é com o público em geral, em especial com crianças e jovens, boa parte desta discussão se torna conversa de bastidores. Na prática, o educador irá se deparar com uma grande maioria que aceita o deus cristão como criador do mundo natural, embora nem todos admitam a história de Adão e Eva como verdade literal. Muitas destas crianças/adolescentes participam ou já participaram de escolas dominicais religiosas onde tais ensinamentos são reforçados. Ou seja, além do ensinamento tradicional, doméstico, passado pela família, também há a palavra da autoridade religiosa, muitas vezes considerada inequívoca por ser inspirada por Deus. Como agir nesta situação? Temos, então, o primeiro desafio encontrado no ensino de evolução: romper a barreira religiosa. Este é um dos desafios mais complicados, pois alguns outros citados posteriormente são decorrentes dele.

Nos Estados Unidos da América há uma luta histórica em tribunais no que se refere ao ensino de evolução. Em alguns Estados, onde há uma população considerável de evangélicos protestantes, os professores são proibidos de falar “evolução” e os livros-texto são obrigados a exibir uma advertência de que evolução é “apenas” uma teoria, tendo os professores que lecionar criacionismo como alternativa científica à evolução. Em outros, os tribunais não consideram criacionismo como ciência e assim, não é alternativa à evolução e não deve ser ensinado em aulas de ciências (Scott, 1997). Uma alternativa para os criacionistas é fazer tudo que for possível para tornar o criacionismo uma ciência, angariando contribuições de cientistas como argumentos de autoridade e criando o “criacionismo científico”, do qual ainda aguarda-se produção que utilize o método científico e o princípio científico da parcimônia. O método mais recente de travestir o criacionismo de ciência tem sido a releitura do argumento de William Paley (1803), de que Deus é provado pela sua obra, onde ele argumenta que se encontrássemos um relógio em um deserto teríamos a certeza de que aquele relógio só poderia ter sido construído pelas mãos de um relojoeiro. Este argumento teleológico, no entanto, já havia sido fortemente rebatido por Hume (1779). Nesta releitura, chamada de Desenho Inteligente (DI), cientistas criacionistas dão peso à idéia de que a complexidade de vida encontrada na Terra pode apenas ser explicada pela intervenção de um projetista inteligente. A maioria dos adeptos do DI argumenta que este não é um movimento religioso, mas científico, que é suficiente para servir de alternativa à evolução, embora a idéia tenha sido bastante agradável aos olhos de religiosos (especialmente evangélicos protestantes) que viram no “arquiteto inteligente” a figura exata de seu deus, dando nova roupagem científica ao criacionismo. No entanto, tal movimento não é reconhecido como ciência pelo meio acadêmico. Curiosamente também não é aceito como ciência pela Igreja Católica, que alega que ensinar o DI ao lado da teoria evolutiva apenas gera confusão (Winfield, 2005; CBS News, 2006). Por não ser reconhecida como ciência, os criacionistas encontraram uma brecha tentando ensinar este neocriacionismo em aulas de filosofia (Barbassa, 2006).

No Brasil os movimentos anti-evolucionistas ainda são fracos. Não temos impedimento legal de ensino religioso em escolas, embora a liberdade de expressão as torne facultativas. Constitucionalmente, o Estado brasileiro é laico. Todavia, no Estado do Rio de Janeiro recentemente foi cogitado o ensino do criacionismo bíblico em aulas de ciências, como alternativa à evolução, por parte de uma governadora assumidamente evangélica protestante. Esta vertente cristã tem aumentado o número de seguidores no Brasil nos últimos anos (IBGE, 2000). Neste conjunto de denominações religiosas encontramos os principais antievolucionistas brasileiros. Por sua vez, o movimento do DI no Brasil ainda é superficial, embora várias tentativas de impor tais idéias tenham sido efetuadas no Jornal da Ciência – Email, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.

Com o crescimento do número de evangélicos, especialmente os literalistas, o panorama de uma sala de aula torna-se bastante complicado. O professor deve estar preparado para não entrar em choque com os alunos, o que poderia fechá-los definitivamente para o ensino da teoria evolutiva. Também precisa estar muito preparado didaticamente, para conseguir explicar evolução de maneira clara, objetiva e de fácil entendimento.

Desafio didático-pedagógico

Um professor bem preparado pode encontrar dificuldades ao lecionar evolução a uma turma eclética. Não chocar a evolução com a fé do aluno certamente é o caminho mais adequado. Embora não haja evidências que demonstrem intervenção sobrenatural nos processos evolutivos, tal visão dependerá da necessidade ou tradição cultural de cada aluno e embora o professor possa (e deva) fazê-los raciocinar sobre o assunto, a conclusão deve ser do próprio aluno. Ao professor bem preparado cabe explicar o assunto de modo concreto, claro e palpável, evitando o que é mais comum quando o assunto é evolução – os erros conceituais.

Tidon e Lewontin (2004) demonstram que é possível perceber que infelizmente um dos grandes problemas do ensino de Evolução está no preparo dos professores. Embora os professores afirmem que as teorias de Darwin e Lamarck de mudança nos organismos vivos seja um conteúdo fácil de lecionar, os mesmo professores responderam outras questões demonstrando claro pensamento Lamarckista (Tidon e Lewontin, 2004).

Um dos prováveis motivos pelo qual os próprios professores apresentam defasagem no conhecimento é, mais uma vez, a religião. Como qualquer outra pessoa, durante sua formação o professor possui sua própria crença, que pode interferir na sua compreensão dos processos evolutivos, mesmo em classes do ensino superior. Embora novamente haja uma distribuição gradual no nível de interferência da religião no aprendizado do professor e na sua aceitação dos processos evolutivos, crenças mais literalistas podem interferir diretamente no aprendizado de tais processos, bem como na maneira pela qual o professor irá ensinar o pensamento evolutivo. Embora os professores de um modo geral possam ter acesso à bibliografia adequada em suas universidades, é possível encontrar artigos em sítios criacionistas onde não apenas as idéias evolutivas, mas também diversos outros conceitos amplamente evidenciados são distorcidos e oferecidos aos leitores como fatos científicos (de Paula, 1999). De acordo com Rutledge e Mitchell (2002), a aceitação ou rejeição da teoria evolutiva como explicação científica válida pode influenciar na compreensão dos estudantes acerca desta poderosa idéia.

Além da questão religiosa, o desafio na formação de bons professores está no material didático de nível superior. Poucas são as opções em língua portuguesa. Até pouco tempo o livro mais recente era a tradução da segunda edição de “Evolutionary Biology” (Futuyma, 1986), de 1997, quando a versão original já estava próxima do lançamento da terceira edição. Mais recentemente, a tradução da primeira edição do livro “Evolution” de Stearns e Hoekstra (2000) e “Evolution” de Ridley (2004) foram publicadas. Infelizmente o tempo necessário até que tais livros cheguem às bibliotecas de universidades pode ainda comprometer os estudos. A literatura internacional é rica em livros de divulgação científica, onde bons exemplos de argumentação e estudos de caso são apresentados, alguns deles com versões em português (Dawkins, 1998, 2001a e b; Gould, 1999; Zimmer, 1999; Entre outros). Embora a disponibilidade de versões traduzidas para o português seja relativamente satisfatória, o preço dos livros tende a afastar os leitores, pois custam de 10 a 20% do salário mínimo vigente (Tabela 1). No entanto, livros-texto per si não fabricam um bom professor de evolução.

Por sua vez, os livros didáticos de ensino médio disponíveis tiveram um aumento significativo na qualidade (Bizzo, 2000) e uma avaliação está sendo realizada pelo nosso grupo neste momento. Esta pesquisa certamente auxiliará na compreensão dos conceitos errôneos afirmados por alunos recém-ingressos no nível universitário, em relação a questões de biologia evolutiva (Pazza et al., 2010).

Os meio de divulgação científica e o ensino de evolução

Além dos livros didáticos e de divulgação científica, é possível se obter informações sobre evolução através da mídia escrita (cadernos de ciência em jornais, revistas especializadas em divulgação científica) ou ainda através de sítios na world wide web. Em relação à mídia escrita, pode-se observar que os autores dos textos em revistas e jornais são na sua grande maioria jornalistas ou free-lancers e, em pequena extensão, por cientistas envolvidos diretamente nas pesquisas. Neste tipo de mídia podemos encontrar excelentes textos de divulgação científica em evolução (Villareal, 2005; Wong, 2005; entre outros), assim como imensos absurdos onde os equívocos e más interpretações transparecem (Pazza, 2005). Comentamos anteriormente que a formação de bons professores é crucial no ensino claro e adequado da evolução. Certamente podemos esperar que um biólogo seja formado com sólidas bases sobre o pensamento evolutivo, uma vez que cursou pelo menos uma disciplina sobre o assunto. Mas e o que dizer de jornalistas? Não se pode exigir infalibilidade, mas haverá meios de minimizar as falhas? Uma das alternativas seria oferecer cursos de ciências para os jornalistas. Outra seria que a comunidade científica estivesse mais engajada em divulgação científica de qualidade. Transpor a barreira entre o mundo acadêmico e o popular com certeza não é uma tarefa das mais simples, e não será bem desempenhada por todos os profissionais. No entanto, textos publicados, mesmo que por jornalistas, onde equívocos são enaltecidos, servem como matéria prima para que os manipuladores de opinião pública fixem suas idéias falaciosas (Pazza, 2005).

Ao contrário de empresas de informação, que seguem políticas editoriais mais ou menos rigorosas, sítios independentes na internet aceitam qualquer texto, havendo menor (ou inexistente) crivo na análise. O mais agravante é o ritmo acelerado com o qual os estudantes estão trocando livros por sítios na internet, onde uma pesquisa pode ser elaborada na base de alguns cliques e o famoso “copy&paste” (copiar e colar). Além da contribuição para o conhecimento do aluno ser questionável nesta situação, não há meios de impedir que os grandes sistemas de busca utilizados, como o Google, retornem quantidade considerável de sítios com pouca ou nenhuma qualidade educacional na área. É muito fácil, por exemplo, encontrar sítios anti-evolucionistas com textos assinados por doutores formados por grandes universidades brasileiras, que embora criem espantalhos, são altamente atraentes para pessoas pouco informadas, disseminando, assim, conceitos errôneos e falaciosos (de Paula, 1999).

Há também, evidentemente, sítios que contém informações coerentes. De um aspecto prático, a Internet tem se mostrado uma ferramenta de fácil utilização e de grande acesso, e este motivo deveria incentivar os educadores e divulgadores de ciência a utilizá-la para a construção de bases de dados confiáveis para os professores e alunos. O empenho da comunidade acadêmica na tentativa de explicar e simplificar os dados científicos pode ser um fator decisivo no incremento da qualidade da informação fornecida pela rede.

Assim, o educador precisa estar muito atento para conseguir direcionar o aluno a bons materiais sobre o assunto, e deve estar bem preparado para reconhecer os deslizes e embustes amplamente difundidos.

Conclusão

O ensino e aprendizagem de evolução biológica é uma preocupação crescente para a comunidade acadêmica mundial nas ultimas décadas. Alters e Nelson (2002) citam alguns eventos representativos deste crescimento como a convocação da Conferência de Educação e Pesquisa em Evolução, o estabelecimento de um comitê educacional na Sociedade para o Estudo da Evolução, entre outros. No entanto, tais atos são exclusivos da academia científica norte-americana, talvez pela crescente problemática envolvendo o ensino de evolução naquele país. O Brasil ainda não possui uma sociedade científica de estudos evolutivos, tampouco um comitê dentro de outra sociedade científica qualquer que esteja engajado no estudo das questões relacionadas com o ensino de evolução. Por sua vez, os movimentos criacionistas, embora ainda inexpressivos, estão cada vez mais presentes nas universidades brasileiras, e tendem à uma organização, por espelharem-se no modelo norte-americano.

Embora a biologia evolutiva seja um eixo norteador, juntamente com a ecologia, como sugerem os Parâmetros Nacionais do Ensino Médio, a dificuldade encontrada pelos professores no ensino desta ciência é maior do que o esperado. No entanto, os professores são determinadores da qualidade de uma disciplina, sendo necessário que professores de biologia tenham um conhecimento adequado da teoria evolutiva e seu papel fundamental na biologia. Este tipo de conhecimento nem sempre é obtido apenas em aulas de evolução no ensino superior. Textos de divulgação científica também fornecem um suporte importante para a formação do profissional em educação. Rutledge e Mitchell (2002) sugerem ainda que os professores precisam estar conscientes de como o conhecimento científico é produzido. Em seus estudos, estes autores observaram ainda, que o nível de conhecimento do professor acerca da biologia evolutiva, através de mapas de conceitos, estava intimamente relacionado com sua aceitação da teoria evolutiva. É possível que a dificuldade de aprendizagem dos alunos, portanto, não esteja somente no grau de dificuldade de compreensão dos processos evolutivos, mas na relutância em aceitar a teoria evolutiva como uma teoria científica válida para explicar os fenômenos naturais e nossa biodiversidade, por exemplo. Em muitos casos, a palavra “teoria” é utilizada pelos anti-evolucionistas como uma forma de minimizar o efeito da compreensão da evolução biológica, atribuindo à palavra “teoria” um significado pejorativo e graus de hierarquia inexistentes na filosofia da ciência para o que é uma teoria ou um fato científico. Aos ouvidos leigos, a explicação soa razoável: “a evolução é só uma teoria”. Assim, não há motivos para dar mais crédito a ela. Por isso, se faz necessário que aulas de ciências no ensino médio, especialmente, sejam iniciadas com a explicação do método científico, formulação de hipóteses, testes de hipóteses e falseabilidade da teoria científica, além da equivalência de termos como teoria e lei. Talvez ainda fosse interessante se pensar em uma disciplina de Iniciação Científica, onde os alunos teriam um contato maior com a filosofia da ciência e como o conhecimento científico é produzido.

Um outro ponto importante para que o professor consiga ensinar evolução de maneira eficiente, é demonstrar para o aluno que a evolução é mais do que uma teoria que explica a biodiversidade e que seus efeitos são observados na agricultura, saúde e sociedade (Futuyma, 2002). A imensa preocupação atual de conservação da biodiversidade também tem como pano de fundo o estudo evolutivo. Avise (2003) espera que num futuro onde os humanos busquem o desenvolvimento sustentável, a biologia evolutiva, genética e ecologia possam apontar para uma nova ética ambiental.

Acima de tudo, observamos perplexos – e felizmente à distância – o que a intolerância religiosa é capaz de fazer. Tendo em vista nossa diversidade cultural, a intolerância religiosa deve ser fortemente combatida. Desta forma, os educadores em evolução não podem travar embates contra a opção religiosa de seus alunos, mas sim, buscar uma maior aceitação da teoria evolutiva como forma de explicar a história natural dos organismos vivos à luz do processo científico. Um dos maiores evolucionistas da história escreveu certa vez: “Eu sou criacionista e evolucionista. A evolução é o método no qual Deus, ou a natureza, cria” (Dobzhansky, 1973).  Aceitar a teoria evolutiva é o primeiro passo para compreender seu papel na história natural dos organismos vivos.

Referências

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Avise, J. C. The best and the worst of times for evolutionary biology. Bioscience 53(3): 247-255. 2003.

Bizzo, N. M. V. Falhas no ensino de ciências. Ciência Hoje 159: 26-31. 2000.

Darwin, C. R. On the origin of species by means of natural selection. London, Murray.

Dawkins, R. A escalada do monte improvável – uma defesa da teoria da evolução. Companhia das Letras, 1998.

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Dobzhansky, T. Nothing in biology makes sense except in the light of evolution.  American Biology Teacher 35: 125-129, 1973.

Futuyma, D. J. Evolutionary biology. 2nd. ed., Sinauer Associates, 1986.

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Gould, S. J. Darwin e os grandes enigmas da vida. Ed. Martins Fontes, 1999.

de Paula, M. O. Mutação e seleção natural: fatores evolutivos? Disponível em <http://origins.swau.edu/papers/evol/marcia3/defaultp.html>. Acesso em 2003.

Pazza, R. Aproveitadores de deslizes no jornalismo científico. Jornal da Ciência e-mail, SBPC, 10 de maio de 2005.}

Pazza, R.; Penteado, P.R.; Kavalco, K.F. Misconceptions About Evolution in Brazilian Freshmen Students.Evolution, Education and Outreach 3: 107-113.

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Rutledge, M. L.; Mitchell, M. A. Knowledge structure, acceptance and teaching of evolution. The American Biology Teacher 64(1): 21-28, 2002.

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Tidon, R.; Lewontin, R. C. Teaching evolutionary biology. Genetics and Molecular Biology 27(1): 124-131, 2004.

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Zimmer, C. À beira d’água – macroevolução e a transformação da vida. Jorge Zahar editor, 1999.


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