Uma nova espécie de peixe?

Outra repostagem (estou desativando o blog antigo e pegando o que é mais interessante para colocar aqui). Este agora foi ao ar em maio de 2009, relacionado a uma notícia do website Terra – Especialistas confirmam descoberta de nova espécie de peixe.
No dia 17 de maio o site Terra publicou uma notícia sobre a descoberta de uma nova espécie de peixe de água doce, um cascudo da família dos loricariídeos encontrado em um afluente do Amazonas na Colômbia. No mesmo dia escrevi um comentário no site, afinal de contas, uma espécie nova de peixe não é motivo para notícia desta maneira. Se for, a mídia está perdendo muitas. Citei no comentário, inclusive, uma revista científica nacional que publica mensalmente várias espécies novas de peixe.

Para esclarecimento, a revista Neotropical Ichthyology, publicada pela Sociedade Brasileira de Ictiologia, apenas no último número publicou três novas espécies. Durante o ano de 2008 publicou nada menos que 44 novas espécies de peixes. E esta não é nem a única revista do Brasil a publicar novas espécies de peixes todos os meses. E o pior é que a notícia do Terra é de uma pesquisa publicada em 2006! Isso sim é um furo de reportagem!

Mas, até aí tudo bem. Só não consigo entender por que é que o meu comentário não foi colocado no ar. Hoje, dando uma olhada na notícia, percebi que existem 26 comentários. O meu não está lá. Mas por quê? Qual o conteúdo dos demais comentários? Veja alguns deles (erros gramaticais e ortográficos por conta dos autores):

“no rio grs do sul esse peixe e chamado de cascudo por tanto nao e uma descoberta”
“pó esse peixe aqui no meu nunincipio é muito comum aqui tem igual uma peste mais é do rio e de agua doce mais foi muito bom ter pesquisado mais um animal descoberto em nosso mundoou seja tem muito mais muito a descobrir”
“Dai-me paciência……..descoberto? como assim? esse peixe é muito conhecido aqui no sul e faz muito tempo que ele ‘existe’…….hsauhsuahsau”
“Acho q esses cientistas estao um pouco atrasados hein..
Quem pesca sabe que esse peixe é popularmente chamado de CASCUDO. Aqui em SC é chamado de CASCUDO DA PEDRA. E essa espécie deve ser milenar..
Talvez na região onde foi encontrado não era comum….”
“Há muitos gêneros e espécies no Brasil deste peixe o qual genericamente aqui nos rios de Minas os chamamos de CASCUDO. Todos são saborosíssimos somente assados na chapa do fogão de lenha com a carapaça voltada para o lado da chapa e somente retirados os intestinos logicamente, temperados com sal e limão e acompanhados de uma dose da deliciosa cachaça mineira e cerveja gelada. Ah meu Deus ! Acaba não mundão !”
“esta especie é muito comum na cidade onde moro, no interior de minas, conhecemos como CASCUDO”
“Como já disse andrade em seu comentário,este peixe é o já conhecido CASCUDO, já pesquei muitos deste aaaqui no rio tocantins, afinal , ele é muito saboroso e para muitos é afrodisíaco, porem , nãao é novidade para nós do tocaantins.”
“olha eu to apavorado com as noticias dessa coluna…………. oq os cientistas descobrem ou posquizam hj e ate meus avos ja sabiam. e e o cascudo um peiche q tem q tirar o couro q mais parece uma armadura………se esfola todos os dedos eu cancei de comer eles uns carne amarelada outros brancas outros bejes q cientistas mais atrazados”
“Aqui em Cândido de Abreu no Paraná, este peixe o Cascudo e varias outra especies parecidas, são encontrado em todos os rios da região.”

Estes comentários demonstram algo que o artigo poderia ter elucidado para evitar. O desconhecimento da população brasileira em relação à nossa biodiversidade.

Peixes representam a metade de todos os vertebrados da Terra. Somando todos os mamíferos, aves, répteis e anfíbios temos cerca de 24 mil espécies descritas, o que é aproximadamente o mesmo que o número de espécies descritas para peixes. Apenas no Brasil são cerca de oito mil espécies. Entre o que muitos chamam popularmente de cascudos, os peixes que apresentam o corpo revestido por placas dérmicas que parece uma carapaça, existem cerca de 600 espécies. Assim, é muito provável que o cascudo que se pesca no Rio Grande do Sul não seja a mesma espécie que se pesca em Minas Gerais, por exemplo.

A caracterização de um peixe como uma espécie diferente, nova, se baseia num minucioso estudo de várias características morfológicas externas e internas, comparando-se com exemplares já descritos e mantidos em museus de zoologia do Brasil e do mundo. Para se ter uma idéia, muitas espécies de peixes foram coletadas no Brasil por Darwin, descritas por pesquisadores ingleses e atualmente se encontram no Museu de Londres. A característica de nossas bacias hidrográficas é propícia para processos evolutivos de especiação, o que faz com que o avanço dos estudos, estimulados pela crescente conscientização acerca da importância da biodiversidade, cada vez mais novas espécies sejam descobertas. Em alguns casos, no entanto, é possível que as pessoas já a “conheçam” e já a pesquem, pensando se tratar de uma espécie comum no Brasil inteiro até aos olhos dos mais experientes pescadores, quando na verdade se trata de uma espécie nova. Estima-se, inclusive, que muitas espécies de peixes ainda serão extintas antes mesmo que a conheçamos.

Um problema decorrente desta ignorância sobre o tamanho de nossa biodiversidade de peixes é quando um pescador ou até mesmo prefeituras e empresas em uma jogada para atrair atenção pública para a natureza, pega peixes de um rio e joga em outro. Por que não, se afinal é tudo a mesma coisa? Este é um problema bastante comum e que a mídia poderia ajudar a resolver. Para isso bastaria deixar o falso sensacionalismo de “divulgar a descoberta de uma espécie nova” de lado e apresentar informações com conteúdo.

Aceitar uma crítica nos comentários de uma notícia também seria interessante. Mas é claro, comentários como os seguintes podem ser postados:

“e eles querem descobrir vida em marte……. e ainda não conhecem o saboroso cascudo…..que ciência …./???????”

“Sabe o que o peixe disse pra peixa ?
Estou Apeixonado
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
essa é boa”
“‘…Quem dera ser um peixe, para em seu límpido aquário mergulhar…'”

O que importa é que acessem o site e cliquem nos patrocinadores, não é mesmo?

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