Transgênicos – rotulagem

Quem é que não quer saber exatamente o que está consumindo? Por menor que seja o processo de industrialização, não conseguimos escapar da possibilidade de que sejam adicionas substâncias estranhas, que em geral atendem pelos nomes de edulcorantes, estabilizantes, corantes, conservantes, etc. Para piorar, quem já pegou algum rótulo já percebeu que quando não são nomes de produtos químicos que automaticamente dão medo, é uma sigla INS alguma coisa. INS é o Sistema Internacional de Enumeração de Aditivos Alimentares. Cada aditivo (aquilo que é adicionado ao produto principal) é enumerado por um órgão competente, para manter uma padronização e eliminar a necessidade de se colocar o nome completo do composto.

Muitas pessoas não gostam de produtos industrializados justamente por causa destes nomes de substâncias químicas adicionadas aos produtos. Querem que o produto tenha uma coloração homogênea, espessura adequada, que não estrague rápido, possa ser encontrada no supermercado a qualquer momento, seja diet, ou não precise de refrigerador antes de aberto, mas tudo isso depende muitas vezes dos aditivos. É bem provável que a resistência maior esteja relacionada ao desconhecimento. O ser humano tem medo do que não conhece. Também pudera, algumas substâncias aditivas tem sido retiradas de circulação por apresentarem problemas à saúde humana. Vale lembrar que isso também acontece com medicamentos. É possível que um medicamento novo passe em todos os testes de segurança mas após alguns meses de liberação para venda seja retirado do mercado. Isso acontece pois o ser humano é muito diverso e problemas podem acontecer quando se trabalha com maior escala. Além disso, as pesquisas científicas nunca param e é preciso compreender os novos resultados e incorporá-los às práticas quando consistentes.

E quanto aos Organismos Geneticamente Modificados? Vocês não leram por aí que um projeto de lei foi aprovado para evitar que você saiba que está consumindo transgênicos? Ah sim, vocês leram. O problema é que a história não foi bem contada. Vou tentar elucidar.

Em 2005 foi promulgada a Lei 11.105/2015, a lei de Biossegurança que cria o Conselho Nacional de Biossegurança, estabelece normas de segurança para atividades que envolvam Organismos Geneticamente Modificados, enfim, trata de tudo sobre os transgênicos e OGMs (como vamos ver em outro texto, OGMs e transgênicos não são exatamente a mesma coisa). Entre outros detalhes, a lei trata também da rotulagem dos alimentos transgênicos:

“Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.”

Como assim, conforme regulamento? Na realidade, em 2005 já existia regulamento para rotulagem de alimentos produzidos a partir de OGM. Trata-se do Decreto 4.680/2003. Enquanto a nova lei aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado Federal – Projeto de Lei 4.148-B/2008, de autoria do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) – não entrar em vigor, é este decreto, juntamente com a portaria 2.658/2003 que regulamenta a rotulagem de alimentos que contenham mais de 1% de fonte transgênica, bem como o uso do símbolo padrão, o “T” dentro de um triângulo amarelo bem visível no produto.

Muitos estão acreditando que a nova lei vai eliminar qualquer informação acerca da presença de transgênicos dos produtos, retirando a possibilidade de que o consumidor saiba que está consumindo um alimento com OGM em sua composição. Isso não é verdade. Vamos às diferenças.

Em primeiro lugar, o mais gritante. O fim do símbolo do transgênico, a “letra escarlate” (sim, eu sei que é preta em fundo amarelo, mas você entendeu a referência) que alerta para os perigos de um alimento transgênico. Oras, mais uma vez vou afirmar que sou extremamente adverso à bancada ruralista de nosso Congresso, mas tenho que concordar com esta retirada. Não há nenhum motivo atualmente para que um aviso desta natureza seja necessário. O símbolo não passa de um alerta pejorativo e que distorce o conhecimento que temos de transgênicos atualmente. Faz pensar que é algo que devemos ter alerta, até mais do que os fenilcetonúricos precisam em relação à presença de fenilalanina em alguns alimentos, ou do que os celíacos precisam em relação à presença de glúten em outros. Os dados científicos até o momento não justificam o uso deste símbolo. Em outro texto vou tratar mais especificamente da questão saúde e transgênicos.

Isso significa que o consumidor não saberá se está consumindo transgênicos? Negativo. A necessidade de se constar no rótulo continua, incluindo a relação de percentual (alguém sabe de onde tiraram este 1%?). Veja como fica o artigo que citei acima com a alteração:

“Art. 40. Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com presença superior a 1% (um por cento) de sua composição final, detectada em análise específica, conforme regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento.”

Este texto é idêntico ao que consta no Decreto 4.680/2003. Também consta nele o parágrafo 1o. da nova lei:

“§ 1º A informação estabelecida neste artigo deve constar nos rótulos dos alimentos embalados na ausência do consumidor, bem como nos recipientes de alimentos vendidos a granel ou in natura diretamente ao consumidor, devendo ser grafada, em destaque, de forma legível, utilizando-se uma das seguintes expressões, conforme o caso, “(nome do produto) transgênico” ou “contém (nome do ingrediente) transgênico”.”

E também permite que alimentos que não tenham transgênicos em sua composição destaquem esta situação:

“§ 2º Aos alimentos que não contenham organismos geneticamente modificados será facultada a rotulagem “livre de transgênicos”, comprovada a total ausência no alimento de organismos geneticamente modificados, por meio de análise específica.”

Aqui tem uma alteração em relação ao decreto. Sai a necessidade de que haja similares transgênicos no mercado e entra a necessidade de comprovação. Lembrando que o ônus da prova é de quem alega, a nova lei acerta em solicitar esta comprovação. Ou você acha seguro que os produtos simplesmente tenham escrito “não contém transgênicos”, só porque a empresa quer? Por outro lado, a necessidade de que haja similares transgênicos no mercado seria mais adequada, pois evitaria a propaganda enganosa. Vai virar a mesma coisa dos avisos nas latas de óleo de soja: “não contém colesterol”. Se nenhum produto de um determinado tipo possui transgênico no mercado, por que motivo induzir o cidadão com uma propaganda que não tem sentido? Nisso eu discordo da nova lei.

E tem outras diferenças? Sim, tem. Cai a necessidade de que haja informação sobre a espécie doadora do gene inserido no transgênico.

Uma das preocupações quanto a isso é acerca de potenciais alergênicos. Ou seja, se aqueles cerca de 1 a 3% da população (dados da Anvisa), que possui alguma alergia a alimento, come um produto transgênico cuja espécie doadora do gene inserido é seu alérgeno, ele pode ter uma reação na hora. É necessário entender que não são todos os genes de um alérgeno que causam a reação alérgica na pessoa. Em geral, é uma ou poucas proteínas específicas. Se o gene para estas proteínas potenciais alergênicas for expresso em outra espécie é provável que a pessoa tenha reação alérgica ao transgênico. Entretanto, este ano foi publicada uma resolução da Anvisa (RDC 26/2015) que “dispõe sobre os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares”. Ou seja, se o alimento transgênico contiver traços de quaisquer alimentos potencialmente alergênicos que estejam tratados nesta resolução, isso deverá constar no rótulo. Na prática, pouco importa se a proteína foi introduzida misturada ao ingrediente principal ou se foi sintetizada por um gene exógeno. Transgênicos não estão alheios à esta resolução.

Também cai a necessidade de constar que a carne, por exemplo, é de um animal que foi tratado com ração transgênica. Agora, se esta carne tiver 1% ou mais de traços de transgênicos ela se enquadra no mesmo critério.

Particularmente eu acho que deveria ser adotado um sistema semelhante ao INS para os OGMs. Cada um é diferente do outro em tantos aspectos que é extremamente infrutífero colocá-los no mesmo patamar. Por outro lado, os alimentos transgênicos que são liberados precisam passar pela aprovação do Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. Os relatórios são públicos e se a pessoa tem mesmo o interesse em saber o que está consumindo, pode ir atrás. A imensa maioria não sabe e não tem interesse, mas acaba indo na onda de órgãos que possuem capacidade para análise ou pelo menos possuem verba o suficiente para pagar um especialista para que o mesmo analise os processos da CTNBio e explique para eles. O problema não é mais falta de acesso à informação, mas um desconhecimento proposital do método científico e do conhecimento científico atual.

Resumindo: não, você não ficará sem saber se seu alimento é transgênico ou não. Basta ler o rótulo, como você sempre faz.

 

2 thoughts on “Transgênicos – rotulagem

  1. Rubens Pazza disse:

    Valeu mais uma vez pelas informações, Paulo! Vou corrigir a sigla.

  2. Paulo Andrade disse:

    Mais uma vez, parabénspela postagem.
    Gostaria de fazer apenas dois comentários:
    a) os transgênicos expressam em geral uma ou algumas poucas proteínas novas. A alergenicidade destas proteínas é cuidadosamente avaliada pelos que desenvolvem o novo produto e também pelas agências de risco no mundo todo. O que empregam? A bioinformática, para verificar se existem octapeptídeos na proteína que podem ser alergênicos – e que estão depositados em bancos de dados públicos de alergenos. Por que não fazem ensaios em laboratório? Porque não existem ensaios preditivos de novos alergenos. Ensaios são feitos, agora sim, para ver se as proteínas são degradas pelos fluidos gástricos. Se forem, a probabilidade de ser um alergeno reduz muito. Então, os transgênicos não carregam novos alergenos, nem expressam seus alergenos endógenos em maior concentração (sim, o milho, a soja, o algodão e quase todas as plantas e animais têm proteínas alergênicas).
    b) CTNbio significa Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e não Conselho.
    Cordialmente,
    Paulo Andrade
    genpeace.blogspot.com

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