Uma imagem postada no Facebook hoje me fez entrar em uma discussão e fazer uma pesquisa básica nos periódicos científicos para tirar uma teima. De acordo com a imagem abaixo, vários alimentos “orgânicos” apresentam quantidades muito mais elevadas de nutrientes do que os convencionais. A tabela é verdadeira? De onde isso vem? Qual a metodologia dos experimentos que informam isso? Por que é que os defensores dos alimentos orgânicos em geral são tão fanáticos?
Bom, já perceberam que escrevi orgânicos acima entre aspas. Fiz isso porque este termo é ridículo, uma vez que os convencionais também são orgânicos, no sentido de que são igualmente constituídos de moléculas orgânicas biológicas. Ou seja, este é só um rótulo comercial que se apropriou de um termo científico de forma inadequada, como vários outros produtos que vemos por aí. Com que objetivo? Em geral é para ludibriar o consumidor. Não vou entrar no mérito de que para ser considerado “orgânico”, um alimento deve ser produzido de acordo com padrões internacionais estabelecidos por um órgão privado. Muito diferente das recomendações da OMS acerca dos alimentos com gordura trans, por exemplo, que se baseiam em inúmeros estudos publicados em periódicos científicos. Outro ponto que não vou me demorar nesta postagem é sobre os produtos de controle de pestes e doenças utilizados pelo cultivo orgânico e que sequer passam por aprovação dos órgãos competentes do Brasil. Orgânicos em geral são uma generalização da famosa máxima de que tudo que é natural é bom, não importa o que.
Mas o que diferencia os tais orgânicos dos convencionais? Basicamente é a utilização de agrotóxicos nos convencionais e a não utilização nos alimentos orgânicos. Aqui já temos um primeiro problema. Não há estudos que demonstrem que alimentos orgânicos sejam superiores aos convencionais neste quesito, tendo em vista que ambos apresentam resquícios de agrotóxicos em concentrações abaixo das recomendadas. Ocasionalmente vemos notícias de alguns produtos com elevadas concentrações (a última bola da vez foi o pimentão), mas sem repetitibilidade. Enfim, neste quesito temos um empate técnico e não pode ser um argumento válido para os fanáticos dos orgânicos, embora seja o carro chefe.
Outro argumento pró-orgânicos está relacionado com os nutrientes. Alimentos orgânicos são mais nutritivos. São?
Vou rapidamente me ater na figura abaixo, que está sendo veiculada para dizer que orgânicos são bons e convencionais são ruins:
Observando os números, respaldados pela autoridade que consta no rodapé, um catálogo de uma universidade, qualquer um facilmente se torna adepto dos alimentos orgânicos, pois eles são mais nutritivos que os convencionais. Neste caso específico há dois problemas. Imaginando que tais números estejam corretos em algum estudo, um dos problemas é que em geral, este resultado não se sustenta quando se leva em consideração estudos sistematizados e amplos. Alguns estudos de meta-análise – revisões bastante sistematizadas sobre tudo que foi publicado sobre um assunto até então, na tentativa de estabelecer um método comparativo que nivele as diferentes formas de análise de cada estudo – têm sido publicados recentemente. Entre eles, pode-se destacar o destes pesquisadores do Reino Unido ou então destes pesquisadores gregos. Sua conclusão é bem clara: alimentos convencionais em geral apresentam mais nitratos que os orgânicos; Por outro lado, orgânicos podem apresentar níveis de fosfato mais elevado que os convencionais. E tudo o resto que está nesta figura? Absolutamente nada. Sem diferença significativa alguma. Não há evidências de que os alimentos orgânicos tenham valor nutricional mais elevado que os convencionais. Os estudos de meta-análise também não puderam encontrar nada que justifique dizer que os alimentos orgânicos são mais seguros. Não há tais dados!
Bom, mas e esses nitratos elevados nos convencionais? Como os autores comentam nos artigos, este poderia ser um problema se houvesse confirmação do perigo deles para o organismo humano e este é um outro tema de debate, pois não há informações consistentes sobre isso. Mais um empate técnico, para o horror dos pró-orgânicos.
Mas agora vem a bomba. Esta tabela é falsa! Sim, espalhem pelo Facebook. Esta tabela é falsa. O estudo original dos dados que constam nesta tabela é de 1948. O trabalho, um relatório de Firman E. Bear conduzido na Rutgers University – Variação na composição mineral de vegetais não tem absolutamente nada a ver com alimentos orgânicos. Trata-se de valores mínimos e máximos de vários elementos encontrados em diferentes regiões. Nunca foi objetivo do trabalho comparar alimentos orgânicos com convencionais. E quem afirma isso não sou eu, é Joseph Heckman do Departamento de Ciências Agrárias da própria Rutgers University e, pasmem, publicado em 1991! Por que é que esta tabela ainda está circulando na internet e porque os pró-orgânicos não se dão ao trabalho de pensar a respeito? Por que se fosse verdade seria algo muito favorável aos orgânicos. Mas não é! Quem quiser ler o trabalho original, de 1948, pode acessar gratuitamente aqui.
Ok. Podemos ir para o próximo ponto? Então, o próximo argumento dos fanáticos pode ser porque os alimentos orgânicos são mais gostosos. Aqui também temos controvérsias. Um estudo conduzido por pesquisadores do Reino Unido demonstrou que suco de laranja orgânico teve mais aceitação em um painel gustativo de especialistas do que o suco convencional, enquanto o mesmo painel não viu diferenças no sabor do leite convencional e o orgânico. No entanto, basta pegar qualquer revista da organização Proteste (organização de defesa do consumidor que realiza testes com produtos e alimentos e publica regularmente em sua revista) e ver que a opinião dos especialistas e das pessoas comuns muitas vezes é divergente. Cada um tem um gosto, e então este também não é um argumento válido.
Outro fator que pode interferir na escolha dos alimentos orgânicos na hora da compra é o preço. Afinal, este fator influencia a compra de tudo para a população em geral. Aí os convencionais ganham de goleada. Os alimentos orgânicos são bem mais caros que os convencionais. A diferença de preço pode ser explicado pelo modo como os alimentos são produzidos, o uso de recursos humanos, os custos de uma produção menor, a lei da oferta e da procura, e por aí vai.
O que sobra então? Sobra basicamente a consciência. Mesmo que os agrotóxicos não sejam detectados em concentração perigosa nos alimentos, são produtos perigosos para os agricultores e para o meio ambiente. Podemos escolher alimentos orgânicos também por ajudar pequenos produtores, que são os principais produtores de alimentos orgânicos pelas especificidades de sua produção (pelo menos por enquanto, pois a tendência é que novas tecnologias sejam utilizadas para poder ampliar a produção de orgânicos em larga escala). Podemos simplesmente escolher por uma melhor sensação psicológica de autopreservação. Afinal de contas, a opção existe e é uma questão de escolha.
Até aí eu estou de acordo. Eu mesmo acabo preferindo comprar alimentos livres de agrotóxicos se o preço não for exorbitante em relação ao convencional e se ele tiver boa aparência, principalmente para alimentos consumidos crus. O que eu não consigo engolir é o uso de falácias para tentar vender um determinado produto. Seja ele alimento orgânico ou até o convencional em relação ao transgênico. Dizer que é mais saboroso, mais nutritivo, ou que há risco em se alimentar com os convencionais não pode ser um argumento válido. Isso é abuso, é propaganda enganosa.
Em uma coisa os artigos são congruentes: o que importa é uma alimentação equilibrada.
Confirmation bias…