Conceitos da genética clássica são importantes para a compreensão de muitas questões. Desde os procedimentos para melhoramento genético de plantas cultivadas ou animais criados, até os mecanismos de herança de doenças humanas ou de animais. São também muito importantes para compreender a forma como a frequência dos genes flutua nas populações ao longo das gerações, o processo que conhecemos como evolução.
Antes de entrar neste ponto, vejamos alguns conceitos-chave. O primeiro deles é o conceito de genes. Embora a definição de gene tenha mudado muito ao longo dos anos com novas descobertas, eu uso uma que considero informativa o suficiente e que funciona bem para várias situações do meio acadêmico, nos cursos de graduação. Um gene é uma sequência de nucleotídeos no DNA (Ácido Desoxirribonucleico) que tem informação para ser expresso, ou seja, para ser transcrito (produzir um RNA, o Ácido Ribonucleico). Uma única molécula de DNA forma um cromossomo, e normalmente é grande o suficiente para conter inúmeros genes, cada um deles em uma posição específica. Esta posição nós chamamos de locus. Lembrando que em geral quando falamos de hereditariedade nos referimos a organismos diploides, chegamos à informação de que cada indivíduo vai ter duas cópias de um gene, localizados no mesmo locus em cromossomos homólogos (aqueles que formam os famosos pares e que foram recebidos pelos gametas de cada um dos parentais).
Ao determinar onde começa o gene (uma sequência de nucleotídeos no DNA chamado de região promotora), a enzima RNA polimerase constrói uma molécula de RNA nova tendo como base a molécula de DNA. Algumas destas moléculas de RNA serão processadas (modificadas) e se tornarão o que conhecemos como RNA mensageiro. O RNAm por sua vez é lido pelos ribossomos e a informação ali contida, na forma de sequência de nucleotídeos (representados pelas letras A, C, G e U) permite a construção de uma molécula de proteína. Desta forma, a informação do RNA é traduzida em sequência de aminoácidos na proteína. Cada três nucleotídeos no RNA mensageiro (o códon) significa um aminoácido na proteína que está sendo sintetizada. A correta síntese da proteína baseada na sequência dos nucleotídeos do RNA é garantida pelo Código Genético, o dicionário que a célula utiliza para fazer a tradução. Nele, por exemplo, consta que o códon AAA indica o aminoácido lisina.
Acontece que alguns processos podem alterar a sequência de nucleotídeos no DNA, ocasionando variações no gene. Se uma mutação altera o primeiro nucleotídeo do códon acima, alterando de A para G, por exemplo, mudamos o códon para GAA, que não significa mais lisina, mas glutamato. Alterando a sequência dos aminoácidos nas proteínas pode se alterar sua forma tridimensional e, com isso, alterar sua função. Entretanto, uma vez que o código genético possui 64 códons possíveis que representam 20 aminoácidos e mais três códons para parada (fim da síntese da proteína), podemos deduzir que deve haver aminoácidos codificados por mais do que um códon. De fato, há certos aminoácidos que podem ter até 6 códons diferentes, enquanto outros podem possuir apenas um. Por isso dizemos que o código genético é redundante. Isto significa que eventualmente, as alterações no DNA não resultam em alteração na sequência de aminoácidos da proteína, e ela permanece exatamente como se a alteração não tivesse acontecido.
É fácil imaginar que esta alteração na sequência de nucleotídeos dificilmente vai acontecer exatamente no mesmo ponto em ambas as moléculas do DNA dos cromossomos homólogos. Ou seja, provavelmente uma delas permanecerá como estava e outra será alterada. Estas alterações nos nucleotídeos do DNA podem acontecer por agentes externos, como radiações, ou mesmo por agentes internos, como erros de cópia da DNA polimerase, a enzima responsável pela duplicação do DNA. E se esta alteração acontece em células que produzem gametas, a nova variação pode ser passada aos descendentes. A partir de agora, cada variação deste gene pode ser chamada de alelo. Em uma população, temos diferentes alelos fazendo parte de diferentes indivíduos que sempre terão dois deles, um localizado no cromossomo recebido de um dos parentais e outro no mesmo locus do cromossomo recebido do outro parental.
No próximo artigo, discutirei como os alelos interagem nas células para formar o fenótipo – a característica observada.