Ciência de MG pede socorro

A Constituição do Estado de Minas Gerais tem um artigo para tratar do destino de recursos para a pesquisa científica no Estado. O capítulo 212 diz assim:

Art. 212 – O Estado manterá entidade de amparo e fomento à pesquisa e lhe atribuirá dotações e recursos necessários à sua efetiva operacionalização, a serem por ela privativamente administrados, correspondentes a, no mínimo, um por cento da receita orçamentária corrente ordinária do Estado, os quais serão repassados em parcelas mensais equivalentes a um doze avos, no mesmo exercício.

 

Parágrafo único – A entidade destinará os recursos de que trata este artigo prioritariamente a projetos que se ajustem às diretrizes básicas estabelecidas pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia – CONECIT -, definidos como essenciais ao desenvolvimento científico e tecnológico do Estado, e à reestruturação da capacidade técnico-científica das instituições de pesquisa do Estado, em conformidade com os princípios definidos nos Planos Mineiros de Desenvolvimento Integrado – PMDIs – e contemplados nos Programas dos Planos Plurianuais de Ação Governamental – PPAGs.

Em geral, como acontece em outros estados, o órgão responsável por toda a regulamentação é uma fundação, no caso, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG. A FAPEMIG recebe a dotação orçamentária estadual (além de obter recursos de outras fontes) e distribui aos pesquisadores do Estado de Minas Gerais através de editais de livre concorrência, onde qualquer pesquisador de instituições públicas ou privadas do Estado de Minas Gerais pode concorrer, desde que tenha o título de doutor e cumpra os pré-requisitos básicos. Há editais específicos para determinados setores, como energia elétrica, por exemplo. E também há a chamada demanda universal, que tal como o CNPq, permite que pesquisadores de qualquer área possam concorrer ao fomento para suas pesquisas. Como podemos ver na Constituição do Estado, pelo menos 1% dos recursos precisam ser destinados para esta finalidade.

Em termos de pesquisa no Estado de Minas Gerais, além de algumas instituições estaduais de várias áreas, algumas instituições privadas e a Universidade Estadual de Minas Gerais, existem várias Universidades Federais. Minas Gerais já era campeã em universidades federais no Brasil, mas com a expansão realizada desde 2006, agora tem muito mais. São centenas de novos doutores vindos de várias regiões do Brasil e que agora atuam em pesquisa no Estado de Minas Gerais. Certamente isso fez com que a concorrência pelos editais da FAPEMIG tenha aumentado. Para ter uma ideia, segue o gráfico do número de candidatos a um apoio no principal edital da FAPEMIG, o Edital de Demanda Universal desde 2007 (no site da FAPEMIG não é muito fácil obter os dados anteriores). Com o aumento na demanda qualificada, provavelmente pesquisadores que antes recebiam recursos da FAPEMIG hoje podem não conseguir mais. No entanto, a inscrição continua livre e todas as áreas do conhecimento são contempladas neste edital. O número de propostas aprovadas varia em torno das 750.

universalfapemig

Alegando um sucateamento de sua principal instituição de pesquisa em agropecuária, a EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), um grupo de deputados estaduais está tentando aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 67/2014. De acordo com a proposta deles, haveria um segundo parágrafo neste artigo, com a seguinte redação:

2º – Serão destinados no mínimo 10% (dez por cento) dos recursos a que se refere o caput para o financiamento de programas e projetos de pesquisa agropecuária, admitido o custeio de manutenção, de despesa corrente e de despesa de capital de instituições de pequisa* do Estado criadas com essa finalidade, na forma da lei.”.

* copiado como está, incluindo o erro tipográfico.

Isto significa destinar 10% da verba estadual de pesquisa unicamente para uma instituição, a EPAMIG. Mais complicado do que isso, esta verba poderia ser utilizada para custeio de manutenção, coisa que normalmente os editais da FAPEMIG não autorizam. Não autorizam pois quem deve ser responsável pela manutenção das instituições de pesquisa são os órgãos aos quais elas são subordinadas. A FAPEMIG financia projetos de pesquisa, e cobra os resultados na forma de relatórios técnicos e publicações. Para ter uma ideia, a FAPEMIG não permite o uso da verba de pesquisa para compra de material de escritório ou de limpeza, por exemplo. Tive que fazer uma carta muito bem justificada para poder comprar baldes para transportar peixes coletados, pois balde é material de limpeza.

Assim, a ideia destes deputados é salvar a EPAMIG, incluindo as questões administrativas e de manutenção, utilizando uma verba que deveria ser destinada a alavancar a ciência no Estado de Minas Gerais. Por si só, alterar o uso da verba já é algo a ser questionado. Direcionar exclusivamente um percentual do total para uma única instituição é perigoso, pois abre margem para que outros segmentos requisitem a mesma regalia, como na área de saúde, por exemplo, ou mesmo as universidades estaduais mineiras.

Vale lembrar que as pesquisas em agropecuária no estado de Minas Gerais não são desenvolvidas exclusivamente pela EPAMIG, e mesmo estas contam com parcerias com universidades públicas, principalmente a Universidade Federal de Viçosa, Lavras e UFMG (entre outras). A UFV e a UFLA são centros de excelência na área de agrárias, ou seja, este não pode ser um argumento viável de nossos legisladores.

Adicionalmente, em 2014 a FAPEMIG contou com um edital exclusivo para pesquisadores da EPAMIG, tendo 79 propostas (resultados não saíram ainda).

Agora, há que se pensar no porquê a EPAMIG está sucateada. Trata-se de um órgão de grande importância no Estado, sem dúvida alguma. Sozinha ou em conjunto com as universidades tem oferecido produtos tecnológicos todos os anos, como novas linhagens de sementes de café, trigo, etc. Por que está sucateada? Quem destina verba à EPAMIG?

Fora a questão de pessoal, de acordo com o portal Transparência de MG, quem destina recursos à EPAMIG é a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (e não a de Agropecuária ou de Ciência e Tecnologia, como o esperado). Por conta das eleições, não consigo verificar quantas unidades existem, mas neste site que comemora os 40 anos de EPAMIG constam 5 unidades regionais, embora elas não batam com as unidades que estão no demonstrativo de Julho de 2014 do sistema de gestão. Nele consta a programação de liberação de mais de 4 milhões, sendo 3 milhões apenas para a região Central. A região do Alto Paranaíba não tinha absolutamente nada na programação para o primeiro semestre de 2014, e acabou recebendo uma migalha (25 mil reais). De qualquer forma, podemos ver que o executado está bem abaixo do planejado (cerca de 50%).

Não tenho a mínima ideia de como este orçamento é feito, nem como é dividido pelas unidades, nem como é o plano de carreira (no demonstrativo da folha de pagamento vi pessoas de mesma classe recebendo salários bem diferentes, sem nenhuma informação adicional). Uma dica, Minas Gerais é governada pelo mesmo grupo há muitos anos… Um grupo que tem um modus operandi que você já conhece. Deixar a empresa pública na míngua, sem recursos, e aguardar o melhor momento para a privatização.

Enfim, faço um apelo. Não podemos deixar a PEC 67/2014 ser aprovada. Ela foi assinada por deputados de vários partidos, desde o PSDB até o PT e o PV e neste momento está nas mãos de uma comissão, cujo relator era candidato à reeleição e conseguiu. Ou seja, nas próximas semanas talvez volte a trabalhar nisso. Por favor, envie um email ao relator do projeto na Comissão, o deputado Inácio Franco e ao seu candidato, se você for de MG e votou em deputado estadual. Peça a ele para não apoiar esta PEC. A EPAMIG precisa de ajuda, mas não podemos fazer isso em detrimento de todo o resto da pesquisa estadual. Se você não é de MG, simplesmente vote na enquete que a Assembleia Legislativa propõe no site.

A ciência de Minas Gerais agradece!

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