Já tem alguns meses que comecei uma “campanha” para que a ilustração da evolução humana deixe aquela clássica representação de uma fila “evolutiva”, como você pode ler (ou reler) aqui.
Depois de uma pequena discussão no Twitter com uns gringos resolvi fazer uma busca em sites em inglês para ver se eu não estou viajando muito. Eu posso simplesmente estar sendo chato, o que não seria grande coisa. Uma chatice a mais, qual o problema?
Primeiro, descobri que esta figura é conhecida como a “marcha para o progresso”. É uma ilustração do volume “Early humans” da enciclopédia “Life Nature Library” publicado em 1965. O título original da ilustração é “O Caminho para Homo sapiens“. A wikipédia em inglês tem um bom resumo sobre essa origem. Embora não fosse a intenção dos autores, a conotação da ilustração historicamente acabou sendo a de uma marcha em direção ao progresso.
Bom, em si isso deveria ser suficiente para que as pessoas que desejam divulgar a evolução e defendê-la parem de usar a figura. Evolução não é uma marcha para o progresso. Evolução não é linear, por isso a representamos com uma árvore. Alguns defensores da figura argumentam que este é apenas um ramo da árvore, o que deu origem aos humanos. Mais um erro. Há espécies ali que sabemos não estarem na linhagem direta evolutiva de humanos.
Pois bem, mas será que sou o único que pensa assim? Foi aí que encontrei (ainda na Wikipedia) coisas interessantes, como esta citação de Stephen Jay Gould, do livro Vida Maravilhosa (Wonderful Life) de 1989, com tradução livre abaixo:
“The march of progress is the canonical representation of evolution – the one picture immediately grasped and viscerally understood by all…. The straitjacket of linear advance goes beyond iconography to the definition of evolution: the word itself becomes a synonym for progress…. [But] life is a copiously branching bush, continually pruned by the grim reaper of extinction, not a ladder of predictable progress”
“A marcha para o progresso é a representação canônica da evolução – uma das figuras imediatamente captadas e visceralmente compreendida por todos… A camisa-de-força do avanço linear vai além da iconografia para a definição de evolução: a palavra em si se torna sinônimo de progresso… [Mas] a vida é um arbusto copiosamente ramificado, continuamente podado pela severa ceifa da extinção, não uma escada de progresso previsível”
Ah, agora sim! Talvez eu não esteja tão por fora assim. Stephen Jay Gould, um dos maiores divulgadores de evolução com diversos livros publicados, já alertava para isso antes.
David Winter, do blog The Atavism pegou as espécies da ilustração e as colocou nos seus respectivos ramos para demonstrar que elas não fazem parte da nossa linhagem, como podemos ver abaixo:
Fonte: The Atavism.
Essa ilustração demonstra o que escrevi acima. Os representantes da figura não estão na linhagem direta humana. Ou seja, não são o ramo de nossas origens dentro da árvore da vida.
Jennifer Tucker, no Boston Globe, afirma que a imagem tem sido usada até hoje de várias formas, em alguns casos como sátira, comentário ou fato científico, apesar de não ser cientificamente acurada.
Frank Swain, do blog SciencePunk (ScienceBlogs) lista 5 (cinco) imagens erradas que ainda divulgamos sobre a ciência. Entre elas a imagem do modelo de Rutherford do átomo, o mapa do mundo, a concha do Nautilus (que não é uma sequencia de Fibonacci como muito se alega), o sistema solar e, é claro, a marcha para o progresso.
Darren Curnoe comenta que não apenas a imagem está ultrapassado, lacônica e errada do ponto de vista científico como também serve de combustível para criacionistas alegarem nossa evolução como o inevitável progresso até o ser humano.
É justamente neste ponto que eu gostaria de chegar. Se continuamos a usar este tipo de ilustração errada para exemplificar evolução, mesmo que seja de brincadeira, colocamos a arma na mão dos anti-evolucionistas. Sabemos muito bem que eles gostam de um bom espantalho, e esta imagem é ótima para isso. Não é a toa que Jonathan Wells, o neocriacionista autor de “Ícones da Evolução: Ciência ou Mito”, escreve (tradução livre à seguir):
“Although it is widely used to show that we are just animals, and that our very existence is a mere accident, the ultimate icon goes far beyond the evidence”
“Embora seja amplamente usada para mostrar que somos apenas animais, e que nossa existência é mero acidente, a ilustração final vai muito além da evidência”
É claro que vai. Está errada. Simples assim! Por que não paramos de dar combustível para este pessoal? Vamos parar de usar a marcha para o progresso mesmo que seja de brincadeira, a não ser nos casos puramente zoeiros como citei no texto anterior. Agora, se quiser mesmo falar de evolução humana, use uma árvore! Que tal? É muita chatice?
Ótimo texto. Vou compartilhar!