Na edição de Janeiro (Ano 08, número 104) da revista Scientific American Brasil, a coluna Bloco de Notas trouxe um pequeno artigo de Charles Seife (professor de jornalismo da New York University) que critica uma pesquisa do Fórum Pew sobre Religião e Vida Pública, amplamente divulgada nos meios de comunicação do Brasil, incluindo o website da revista Veja. A pesquisa do Fórum consistiu de 32 questões sobre religião aplicada a cerca de 3400 pessoas das mais diversas crenças religiosas, incluindo ateus e agnósticos.
Seife direciona duas principais críticas à pesquisa. A primeira está relacionada com o número amostral de ateus e agnósticos (212 pessoas, ou cerca de 6%). Ele afirma que amostras pequenas não geram números confiáveis. O que Seife esquece de comentar é que esta é a proporção aproximada de ateus/agnósticos em diversos locais do planeta, como os EUA, por exemplo, ou mesmo o Brasil. O autor não deixou claro qual seria o tamanho amostral ideal para ateus/agnósticos para que fosse validada a pesquisa. Mas é importante lembrar que o tamanho amostral total também deveria ser ampliado, ou o desvio causado poderia tornar a pesquisa inadequada.
Outra crítica de Seife se refere ao fato que o Fórum Pew deixou de fora uma catogoria inteira: aqueles que “não acreditam em nada em particular”. Ora, se Seife conseguiu estas informações, o Fórum não deixou de fora. A crítica parece estar mais direcionada ao fato que o Fórum não incluiu tais respostas aos que se consideram efetivamente ateus ou agnósticos, e que se tal inclusão fosse realizada os números seriam diferentes, na média, pouco piores que protestantes evangélicos.
Aqui existe um outro problema. Os que não acreditam em nada em particular (simplesmente não acreditam em Deus), embora sejam ateus por definição, não se enxergam desta forma. Categorizá-los em conjunto seria o mesmo que categorizar sumariamente como católico alguém que apenas acredita em Deus, mas que não vai à Igreja alguma. Para alguém se julgar protestante, por exemplo, precisa conhecer os preceitos que as igrejas protestantes pregam, caso contrário, como se enquadram neste perfil? Seife erra ao desconsiderar os que se julgam efetivamente ateus ou agnósticos como um grupo filosófico que compartilha características e pensamentos próprios. Esta simples pesquisa, na realidade, confirma o que muitos ateus e agnósticos afirmam, que assim se tornaram após conhecer sobre religiões.
Há alguns anos realizamos uma pesquisa sobre o conhecimento de alunos calouros em uma universidade pública acerca do tema evolução. A pesquisa gerou dois artigos. Um deles está publicado na revista Evolution, Education and Outreach e relaciona o nível de conhecimento com aspectos sócio-econômicos e da área profissional escolhida. Um outro artigo que está sendo preparado para publicação demonstra a diferença no nível de conhecimento entre diferentes crenças, incluindo ateus e agnósticos. O que observamos é que ateus e agnósticos apresentaram resultados superiores aos demais. De forma semelhante à pesquisa do Fórum Pew, a proporção de ateus e agnósticos em nossa pesquisa seguiu o observado na população.
Estes estudos sugerem que ateus e agnósticos assumidos têm mais curiosidade a respeito de nossas origens que os demais e que se trata de um movimento intelectual muito mais do que simples rebeldia como muitas vezes se tenta fazer pensar. Além disso, reforça a possibilidade de que o conhecimento não apenas acerca de religiões, como também sobre a explicação científica sobre nossas origens, tendam a afastar as pessoas da religião.