– Agora eu não tenho tempo, meu amor!
Foi isso que o papai respondeu quando levei meu livro para ele ler algumas páginas para mim antes de dormir. Não entendi direito, pois na capa só vi um castelo e uma princesa com um sapo na mão. Não tem o quê? Papai usa óculos, mas acho que não era isso que ele queria dizer, porque estava com os óculos direitinho nos olhos. Outro dia ele estava exatamente igual e ainda assim leu uma página para mim.
Queria que ele lesse para mim, pelo menos um pouquinho. Ainda não sei ler. Conheço algumas letras, mas não dá para entender o que está escrito. Ainda bem que o livro tinha muitas figuras. Um castelo bonito com um lago de águas bem azuis. Uma princesa de vestido rosa chega perto do lago. Pensei que ela iria tomar banho, mas ela começa a conversar com um sapo. Pelo menos é isso que parece. Será que o sapo respondeu?
Passei as outras folhas observando as figuras e tentando imaginar a história. Ganhei o livro no meu último aniversário. Levei para a escola mas o Tobias, meu coleguinha, disse que era livro de menina. Não consegui entender por que ele disse isso pois quem me deu sabe que sou menino. E também eu nunca ouvi falar de ter história de menina ou de menino. A professora nunca separa meninos e meninas quando vai contar uma história.
O sono estava chegando e mamãe já tinha me falado para apagar as luzes para dormir. Ela voltou ao quarto, me deu um beijo e apagou as luzes. Lembro que peguei no sono tentando entender o que é que o papai quis dizer com aquele “não tenho tempo”.
Queria saber o que é esse tal de tempo. Por que se eu souber o que é, posso desenhar um e dar para o papai. Aposto que ele vai gostar! Outro dia desenhei um cachorrinho rosa e amarelo. Papai disse que era o cachorrinho mais lindo do mundo. Até colou o desenho na geladeira! Com certeza se eu descobrir o que é esse tal de tempo e desenhar um, ele vai poder ler pra mim.
No outro dia falei com a minha irmã Joana. Ela é muito esperta e sabe muita coisa! Ela diz que é esperta porque já tem 8 anos e eu só tenho 6. Bom, pelo menos é isso que eles dizem para eu falar quando alguém pergunta. Não entendo bem como isso funciona, mas até semana passada, quando fiz aniversário, eu tinha 5 anos. Agora tenho 6. Ah, aquela festa foi tão legal! A festa dos 5 anos também foi legal, até minha tia que mora bem longe veio! Não entendo porque é que não posso ter outra festa amanhã. Mamãe disse que é só uma vez por ano, seja lá o que isso for. Tem alguma coisa a ver com voltas que a Terra dá ao redor do Sol… Sei que demora, pois fazia tanto tempo desde a última.
– A Terra gira ao redor do Sol, Fernando – disse o papai tentando me explicar como é que isso funciona. E cada volta que a Terra dá ao redor do Sol nós contamos um ano. Desde que você nasceu, a Terra deu 6 voltas ao redor do Sol, por isso você tem 6 anos.
– Ah, isso tudo é tão complicado. Como é que vou saber quando vai dar outra volta completa?
– Está marcado no calendário. Você pode acompanhar. Aqui, olha só – disse papai me mostrando aquele papel que fica grudado na geladeira, cheio de números. Você nasceu aqui, nesta data. Cada número destes é um dia. Quando passar todos estes dias a Terra terá dado outra volta ao redor do Sol e o seu aniversário chegará novamente. Você fará 7 anos – disse ele me mostrando muitos, muitos, muitos números… Ai, ai, ai… vai demorar muuuito!
Bom, mas hoje eu queria saber o que é o tal do tempo e porque o papai está sem. E se ele está sem, porque não comprou mais? De vez em quando vamos ao supermercado comprar coisas que acabaram em casa. Tomate, cebola, macarrão, sabonete… Tem de tudo lá! Claro que deve ter o tal tempo que papai está precisando. Mamãe outro dia foi ao supermercado para comprar algo que ela disse que estava precisando muito e que tinha acabado. Perguntei o que era e ela disse que era uma coisa de mulher adulta. Então, se tem até coisas de mulher adulta, não pode ter tempo também?
Perguntei então para minha irmã mais velha. Eu já disse que ela é muito esperta?
– Tempo é aquilo que se mede com relógio – respondeu minha irmã.
Então está fácil! Relógio é o que não falta na nossa casa! Tem um que fica na cozinha. Ele é barulhento e quando apita mamãe corre para tirar o bolo do forno. Às vezes não dá muito certo e o bolo queima. Será que ele não mede o tempo direito? Ou será que ele perdeu o tempo?
Mas tem um outro na sala que é o que eu gosto mais. Dentro dele mora um passarinho. De quando em quando ele sai e começa a piar – Cuco! Cuco! Cuco! A minha irmãzinha, que é muito esperta, disse que não é um passarinho de verdade. Mas parece… Eu não sei como eles colocaram ele lá dentro e como fizeram para ele não sair voando.
E ainda tem relógio no quarto, no carro, no celular do papai e da mamãe. E o papai tem um relógio que coloca no braço todos os dias antes de sair para trabalhar. Será que ele perdeu o dele e por isso ficou sem tempo? Não. Eu lembro de ter visto o relógio no pulso dele ontem à noite. Então, o relógio pode medir o tempo, mas ele não é o tempo.
Fiquei cansado disso e brinquei de quebra-cabeças o resto da manhã. Adoro quebra-cabeças. Montei um grande, com muitas pecinhas, que formava a figura do filme que assistimos no cinema há um tempo atrás. Cinema é muito legal, você não acha? No almoço mamãe avisou o papai que o tempo ia mudar e ele precisava levar um guarda-chuvas, pois ele poderia pegar chuva.
Como assim o tempo ia mudar? Será que pegando essa chuva papai teria mais tempo?
– Foi o relógio que disse que o tempo ia mudar, mamãe? – Perguntei.
– Não, meu filho, vi na TV – mamãe respondeu. – Mas este é outro tempo, não aquele que o relógio mede. Este tempo que estou dizendo na verdade é o clima. Se está chuvoso, ensolarado ou nublado, por exemplo. No noticiário da TV informaram que o clima hoje está mudando e poderá ter chuva no fim da tarde.
Será que quando o papai disse que estava sem tempo, ele queria dizer que não sabia se ia chover ou ia fazer sol no outro dia? Não. Isso não faz sentido. Era um outro dia e dentro de casa não importava se estivesse ensolarado ou chuvoso. E quando fica escuro só precisa acender a luz.
– Vamos Fernando e Joana, está na hora da escola. A tarefa está pronta? – perguntou papai logo após o almoço.
– Sim! – respondemos.
– Então vamos terminar de nos aprontar. Fernando, vamos escovar os dentes e colocar seu uniforme.
Papai e mamãe nos deixaram na escola e depois foram para o trabalho. Gosto muito da escola. A professora é muito legal. Hoje teve minha atividade preferida: fazer esculturas com massinhas. A professora falou para tentarmos modelar alguma coisa que aprendemos nos últimos dias. Tentei fazer um Sol e a Terra. Quando mostrei para a professora, ela me ajudou. Eu só achei que o Sol estava grande demais e a Terra muito pequena, mas ela disse que é assim mesmo.
– Mas professora, olha lá o Sol, ele é pequeno – falei para ela.
– Olha só, Fernando, ele só parece pequeno porque está muito longe! Quer ver só uma coisa? – Disse a professora. – Crianças, vamos aproveitar que temos um tempinho antes do lanche e vamos para a quadra esportiva!
Saímos todos como sempre, fazendo uma fila indiana. Ainda não entendi por que é que chamam assim. Mas eu sei que sempre era o primeiro da fila, pois sou o mais baixinho da turma. Os grandes ficam atrás.
Fomos até a quadra. Ficamos todos de um dos lados. A professora pegou uma bola de gude na mão e disse para ficarmos em silêncio, prestando atenção na bolinha. Outra bolinha ficou na minha mão e ela disse para guardar bem.
Quando ela chegou do outro lado, perguntou se estávamos vendo a bolinha e perguntou se era menor ou maior do que a outra, que estava com a gente. Dava para ver a bolinha, mas ela parecia tão pequena. Parecia menor do que a que estava na minha mão. Todos concordamos que era menor. Então ela voltou devagar, e a bolinha parecia que estava crescendo. Até que chegou pertinho e vimos: as duas bolinhas eram do mesmo tamanho.
E assim aprendemos que quando alguma coisa está muito longe, ela parece menor. Por isso o Sol parece pequeno.
Depois do lanche eu contei para a professora que papai tinha me ensinado que uma volta da Terra ao redor do Sol era um ano, e que dava para ver isso no calendário. Aí ela usou as bolinhas que fizemos para me mostrar como acontece. E ela me disse que aqueles dias todos que estão no calendário são as vezes que o Sol nasce e se põe. Achei muito engraçado, mas não é o Sol que vai se mexendo e sim a Terra que gira! E quando ela gira, ficamos de dia virados para o Sol e de noite virados para o outro lado, por isso fica tudo escuro!
– Papai me mostrou todos esses números do calendário e disse que vai demorar isso tudo para eu fazer aniversário outra vez – contei para a professora.
– Sim, Fernando, vai levar muito tempo.
– Como assim, professora? – Quando ela falou em tempo eu fiquei muito interessado.
– Eu quis dizer que vai demorar bastante tempo para seu aniversário chegar novamente. Afinal, ele foi há poucos dias não é mesmo? Cantamos os parabéns aqui na sala!
– Sim, é verdade. Mas o que a senhora quis dizer com tempo? Tempo não é o que marca o relógio?
– Sim, o relógio marca o tempo na forma das horas e minutos.
– Ah, eu sei! Tem a hora de almoçar, a hora de ir para a escola, a hora do lanche, a hora de ir para casa.
– Pois é, Fernando, o relógio marca as horas e nós nos acostumamos a fazer algumas coisas sempre no mesmo horário, como almoçar ou ir para a escola.
– Ir dormir…
– Sim, dormir também.
– Uau, então é isso mesmo, o relógio mede o tempo!
No final da aula, enquanto esperava mamãe e papai, fui com minha irmã para o parquinho. Adoro o escorregador. Brinquei que era a Terra dando voltas ao redor do Sol, subindo a escadinha e descendo escorregando. Dei tantas voltas que deve ter dado um ano inteiro!
Mamãe sempre busca a gente na escola. Papai vai para casa depois. No caminho para casa fui lembrando do que a professora tinha dito. A professora ainda me falou alguma coisa sobre um dia ter 24 horas. Achei que era bastante horas! Dá para fazer tanta coisa em um dia. Faço as tarefas, brinco, vou para o judô, vou para escola, vejo televisão, desenho.
Eu acho que entendi qual é o problema do papai. Se ele está sem tempo, é porque o relógio dele está com poucas horas! Não consegui entender como é que se faz para colocar mais horas no relógio, mas eu já sabia o que ia fazer.
Chegando em casa fui correndo para o quarto. Peguei papel e meus lápis de cor. Desenhei um relógio. Eu não disse que papai iria achar o máximo? Quando ele chegou, entreguei o relógio para ele.
– Olha só, ganhei um relógio! Que lindo! – disse o papai.
– Você viu que é um relógio diferente?
– Sim, eu vi que não tem números. Por quê?
– A professora disse que o relógio marca as horas do dia, e que o dia tem sempre 24 horas. Como você disse que estava sem tempo, eu fiz para você um relógio com mais tempo! No lugar daqueles números que sempre vão do 1 até o 12 eu coloquei muitos risquinhos, cada um para uma hora. Fiz um relógio com muitas e muitas horas. Agora você vai ter tempo para ler pra mim antes de dormir!
É claro que meu desenho foi para a geladeira. Não falei? E daquela noite em diante, meu pai sempre leu comigo antes de dormir. Acho que deu certo o tempo que eu dei para ele.