“É melhor a ausência de luz do que uma luz trêmula e incerta, servindo apenas para extraviar aqueles que a seguem.” (Mikhail Bakunine)
Talvez Bakunine esteja certo quando analisamos um ser humano, já em estágio evolutivo avançado. Desde o mais distante nó da origem evolutiva dos vertebrados, o ponto crucial da divergência de suas mais variadas formas, são milhões de anos moldando todos os aspectos de como captamos e usamos a informação luminosa. Não apenas nós, mas cada um dos organismos vivos da Terra utilizam a luminosidade de alguma forma, direta ou indiretamente para sua sobrevivência. Em geral, pigmentos orgânicos com habilidade de absorver radiação luminosa devolvem a energia obtida canalizando-a para alguma função biológica, ou simplesmente desencadeando um impulso nervoso em resposta. Esta luminosidade da qual os organismos dependem vem, primariamente, da radiação Solar.
Entretanto, a forma que cada organismo vivo utiliza a luz é tão variável que às vezes qualquer luz trêmula basta para cumprir seu propósito. Pequenas algas que vivem em águas mais profundas conseguem aproveitar a tênue luz de determinados comprimentos de onda que conseguem penetrar a coluna de água para obter energia suficiente para hidrolisar uma molécula de água e obter a energia biológica necessária para suas funções. As cianobactérias, algas e plantas de superfície usam preferencialmente outra faixa luminosa, refletindo a cor verde que vemos em abundância (apesar do declínio) no nosso planeta.
É claro que Bakunine não falava disso. Estava se referindo a conceitos comportamentais humanos. Ora, mas mesmo conceitos comportamentais humanos podem ser moduladas pela luminosidade. Para resumir um assunto bem complexo, os níveis do hormônio melatonina variam durante 24h em resposta à luminosidade. Uma das enzimas da via de síntese da melatonina é dependente do escuro para seu funcionamento. Este hormônio está relacionado com a regulação do ritmo circadiano, e com isso nossas atividades como espécie diurna. Não é a toa que indivíduos que trabalham de noite possuem atenção reduzida entre outros distúrbios.
A importância da detecção da luz para os animais talvez seja ainda mais crucial. Pigmentos fotossensíveis nas primeiras células poderiam indicar um caminho, uma rota a locais com alimento (lembrando que os organismos fotossintetizantes são os produtores primários e dependem exclusivamente da luz para isso). Alterações nos padrões de recepção da luminosidade podem indicar a um organismo primitivo a presença e movimentação de predadores ou presas. Enfim, conseguir visualizar de forma segura seu predador ou presa e perceber seu movimento é ainda mais vantajoso. Qualquer passo em direção a um melhor discernimento da informação luminosa já é suficiente para dar vantagem a seu portador. Isso explica porque o olho evoluiu inúmeras vezes de forma independente na árvore da vida animal. Apesar disso, o esquema principal é muito parecido. Uma estrutura especializada em captar a energia luminosa contendo uma camada de células ricas em pigmentos fotossensíveis. Uma conexão neural que transmita a mensagem na forma de impulso nervoso, e uma região neural (um gânglio ou parte do cérebro) capaz de decodificar a mensagem e desencadear uma resposta. A complexidade destas estruturas é tão variável quanto a complexidade dos organismos vivos. E as formas como cada grupo resolveu este problema é igualmente variável.
Apesar disso, embora Darwin tivesse postulado uma peculiar dificuldade em explicar o surgimento do olho através de pequenos passos graduais ao longo das gerações, pesquisadores suecos em 1994 demonstraram com modelos de que maneira um olho tipo câmara com lente, como o nosso, poderia ter surgido a partir de uma camada de células fotossensíveis. Com uma estimativa exageradamente pessimista, eles chegaram a poucas centenas de milhares de anos. Adicionalmente, diversos tipos de olho tecnicamente intermediários ao olho tipo câmara, também encontrados na natureza em outras espécies, poderiam se formar em menos tempo. O mais impressionante em saber como o olho se desenvolve é notar como a evolução usa o que tem em mãos para dar origem a estruturas novas. Por exemplo, o cristalino, a lente que permite focalizar melhor as estruturas visíveis, é formado por proteínas, muitas delas com atividade enzimática, bem como outras homólogas (de mesma origem) a outras como a lactato desidrogenase, álcool desidrogenase, entre outras.
Enfim, para a evolução, qualquer luz trêmula pode ser melhor que a escuridão absoluta.
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Esta postagem foi realizada em função da blogagem coletiva referente à comemoração da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia.