Teste científico para homeopatia em plantas

Ao invés de criticar a homeopatia e questionar a falta de memória da água, o número de Avogadro, a questão de tratar os sintomas e não a causa da doença e a física quântica (ou seja, problemas de química, física, biologia e filosofia), vou fazer outra coisa. Vou propor um modelo de teste para experimentos de homeopatia na agricultura.

Uma das coisas mais comuns quando se discute com os homeopatas é a inversão do ônus da prova. Eles afirmam que apesar de todos os “cheques” dados em cada um dos problemas conceituais e de base do seu funcionamento, a homeopatia funciona. Entretanto, tentam inverter o ônus da prova a quem questiona, exigindo que provemos que ela não funciona. Apesar da inversão, alguns céticos já fizeram isso, como o James Randi. Também não se pode esquecer do artigo publicado na revista The Lancet, que buscou avaliar mais de uma centena de trabalhos sobre efeitos da homeopatia através de critérios críticos bem definidos, cuja conclusão segue:

Biases are present in placebo-controlled trials of both homoeopathy and conventional medicine. When account was taken for these biases in the analysis, there was weak evidence for a specific effect of homoeopathic remedies, but strong evidence for specific effects of conventional interventions. This finding is compatible with the notion that the clinical effects of homoeopathy are placebo effects.

Ou seja, baseado em mais de uma centena de estudos sobre efeitos dos medicamentos homeopáticos em humanos, não há evidência de efeitos clínicos diferentes do placebo. Ora, mas não há efeito placebo quando se utiliza homeopatia na agricultura, ou há?

Apesar de James Randi oferecer um milhão de dólares para quem comprovar os efeitos da homeopatia e apesar deste estudo da Lancet e de alguns outros da iniciativa da biblioteca Cochrane, que faz revisões sistemáticas de temas relacionados à saúde humana, muita gente ainda afirma que homeopatia funciona.  O problema é que não basta que funcione uma vez com a tia ou a avó, ou outra vez com um colega ou consigo mesmo. Para se comprovar seu efeito, é necessário que possa ser replicado e aconteça o resultado esperado de forma significativamente superior ao placebo.

Assim, eu gostaria de propor um procedimento padrão, nos moldes do que seria um experimento estritamente dentro do método científico. Qualquer um pode utilizar este modelo para avaliar os artigos que são publicados por aí sobre efeitos da homeopatia em plantas e analisar por si mesmo o quão adequados os experimentos são.

1 – Escolher a cultura/cultivar, a doença e o medicamento a ser testado; preparar a terra de acordo com as condições básicas para o desenvolvimento da cultura e estabelecer as doses para cada parcela;

Não dá para comparar alhos com bugalhos. Se deseja-se saber os efeitos da homeopatia, esta é a variável que deve ser testada. Todas as demais variáveis devem ser fixadas para que não influenciem (ou influenciem minimamente) nos resultados. Também é necessário explicar muito bem porque foi utilizado o  preparado homeopático em questão e propor pelo menos três diluições que supostamente seriam efetivas. Minha sugestão é de que a de 30CH seja central, seguida de uma mais concentrada e outra mais diluída.

2 – realizar o plantio de 5 parcelas a partir de uma mesma origem de sementes; cada parcela deverá ser replicada totalizando 3 blocos distribuídos ao acaso;

Todo experimento precisa ser replicado. Os blocos distribuídos ao acaso para cada repetição auxiliam nas garantias de que não há questões de proximidade ou de solo envolvidas. É necessário sempre ter um experimento altamente controlado às mãos. Existe apenas uma hipótese sendo testada e outros fatores não podem influenciar.

3 – em um determinado momento, inocular a doença em todas as parcelas;

Se o objetivo é testar um medicamento homeopático para uma doença X, é necessário que as plantas tenham a doença. Não basta ficar esperando, é necessário que o agente patogênico seja inoculado em toda a plantação de modo uniforme, afim de que todas as plantas fiquem doentes simultaneamente.

4 – destas 5 parcelas, uma receberá o controle positivo (agroquímico normalmente utilizado no combate da doença) e uma receberá o controle negativo (água utilizada para diluir os preparados homeopáticos); três parcelas receberão 3 doses diferentes do preparado homeopático; quem está aplicando não pode saber o que está aplicando em cada parcela;

É preciso um controle positivo e um negativo. Apesar de não fazer diferença para a planta (até onde sabemos) o ideal é que o aplicador não saiba o que está sendo aplicado em cada parcela. É claro que a cor e o odor do agroquímico vai denunciá-lo, mas fora isso, apenas o pesquisador que não irá ao campo deverá saber. Todos os demais procedimentos de campo devem ser feito por pessoas que não sabem que parcela está sendo tratada com qual produto.

5 – as parcelas devem ser muito bem isoladas no momento da aplicação, afim de não contaminar as demais;

Acho que não é necessário explicar isso, mas deve constar no artigo de que forma foi realizado o isolamento.

6 – certificar-se de que todas parcelas e réplicas estão no mesmo estágio de contágio;

O progresso da doença deve ser registrado. Qual foi o dia da aplicação do agente patogênico e em quanto tempo a doença se manifestou. Confrontar a experiência com os dados da literatura. Todas as plantas devem estar no mesmo estágio de contágio, para que possa realmente ser avaliado o efeito do medicamento.

7 – retirar os resistentes, caso haja;

Não queremos avaliar resistência de plantas ao patógeno. Assim, qualquer planta que não foi afetada deve ser retirada. Se não forem muitas, a estatística derruba isso, mas estamos montando um experimento altamente controlado, então…

8 – realizar as aplicações, tomando cuidado para que não haja contaminação;

As aplicações devem ser realizadas de acordo com as normas do fabricante para os agroquímicos padrão. Para os preparados homeopáticos, pode-se estabelecer a rotina de acordo com o que é utilizado normalmente, desde que o controle negativo receba o “placebo” adequadamente. É importante que o número de aplicações seja pré-estabelecido, para que a única variável continue sendo o preparado homeopático em cada uma de suas diluições. Se o artigo não for claro quanto a isso ou se apresentar aplicações diferentes, desconfie. Lembre-se de que as plantas devem estar em nível similar de contágio, o que não justifica diferenciar as aplicações.

9 – documentar e avaliar a taxa de regressão da doença e a efetividade das aplicações;

Conforme as aplicações vão sendo feitas, é necessário documentar a regressão da doença. Em quanto tempo o agroquímico e os demais tratamentos fizeram efeito levando a doença a próximo a zero? Quantas plantas morreram em cada parcela? Em que momento a doença foi completamente dominada?

10 – fazer as análises estatísticas;

Não é possível dizer nada apenas olhando para a plantação. É necessário fazer uma análise estatística adequada. Nossa hipótese a ser testada é de que alguma parcela tratada com o preparado homeopático apresentará um resultado positivo que seja significativamente superior ao controle negativo. Foi?

Mas isso não é tudo. É importante lembrar que este é um estudo que avalia um determinado preparado contra uma determinada doença em um determinado cultivar. Supondo que a avaliação seja positiva, nada mais que isso pode ser extraído do experimento. De qualquer forma, será impossível extrapolar que a homeopatia funciona no geral. Fazer isso é uma indução, e indução já caiu por terra há muito tempo.

Uma outra ressalva. Avalie bem quantas aplicações foram necessárias para cada parcela. Isso é muito importante, pois se o objetivo é futuramente oferecer o produto ao agricultor, o seu esforço vale muito. Valeria a pena (estou supondo, é necessário fazer o teste para ter certeza) realizar 10 aplicações do homeopático se uma aplicação do agroquímico é eficiente?

E agora? Bom, você é um cientista. O simples fato de funcionar (se é que com estas condições realmente funciona) é suficiente para você? Pois não deve ser. Um cientista não pode ser parado por uma resposta do tipo “porque sim”. Com um resultado positivo como este nas mãos, agora é partir para o próximo passo: explicar o que está acontecendo. Elaborar perguntas (hipóteses) e propor os testes. É assim que a ciência avança.

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