Falar palavrão no podcast, pode?

Acompanhei de longe uma discussão hoje no Twitter sobre o uso de palavrões nos Podcasts de divulgação científica, até o momento em que a Sibele Fausto pediu a minha opinião. Achei complicado responder em 140 caracteres (bem menos, na verdade, pois muita gente estava participando da discussão e citada nas mensagens) e resolvi escrever algo aqui, mesmo que rapidamente.

Vou arriscar uns palpites como educador, professor e podcaster. Como eu comentei rapidamente no Twitter, longe de mim dar veredito.

Eu falo palavrão. Muitas vezes por dia. Mais do que eu gostaria de falar. E como fica com a família, laboratório e em sala de aula?

Temos duas filhas. A mais velha tem sete anos e a mais nova vai fazer dois. Como educador, sempre procurei evitar os palavrões em casa. Não acho bonito crianças falando palavrão e nunca quis que nossa filha falasse. Por incrível que pareça, ela entendeu desde cedo que há palavras que crianças não podem falar, as adultos falam. Um dia ela nos disse “criança não pode falar pota merda, né pai? Adulto pode falar pota merda, mas criança não pode falar pota merda, né?”. Ela nunca falou palavrão fora desse contexto inusitado lá pelos 4 anos de idade. Não sei como será com a pequena pois estamos nos segurando menos com ela. Enfim, como educador e na lide com crianças eu acho que não custa evitar o palavrão.

Bom, mas também sou professor. A questão é que não sou professor de crianças. Sou professor de adultos. De adultos se espera discernimento. O problema é que são adultos recém saídos da adolescência, muitos ainda no auge dos hormônios. Ainda dão risadinha quando se fala de sexo na sala de aula. Em sala de aula eu evito ao máximo usar palavrão. Não me sinto à vontade para isso. Eventualmente é possível sair um ou outro, mas não é regra. Em sala de aula, portanto, acho que pode ser evitado, mas como estamos falando de um pessoal adulto (em teoria), não é de todo mal.

No laboratório, por outro lado, a tendência é ser mais natural, e praguejar quando é necessário. Quando a reação não dá certo. Quando esquecem um tubo com reagentes no meio de uma papelada por meses (aí é possível praguejar pra car….amba).

Praguejar é um instrumento social. Pode ser usado para coesão social ou até mesmo para causar dor emocional em outras pessoas. O cientista Richard Stephens e sua equipe demonstrou experimentalmente que falar palavrão pode aliviar a dor, embora se uma pessoa fale palavrões muito constantemente este efeito tende a diminuir. Por outro lado, Genevieve Swee e Annet Schirmer afirmem que gritar “Ai” também alivia a dor, o que pode significar que não é o palavrão, mas a vocalização que ajuda a liberar o stress e aliviar a dor.

E quanto aos podcasts, o alvo da pergunta? No Rock com Ciência sempre evitamos palavrões, baixo calão ou coisas assim.  É claro que o calor do momento às vezes pede algo assim ou simplesmente sai. Mas não é típico do programa, tampouco de algum de seus participantes. Concordo com o que alguns responderam, que há nicho para tudo. O nicho do Rock com Ciência provavelmente permitiria palavrões (tem jeito de ter mais palavrões do que nas letras de rock?), mas embora tentemos ser descontraídos no programa, acho que não encaixa com a temática. Sim, acho que a ciência pode ser divertida, mas acho que a diversão pode prescindir dos palavrões. Isso não significa que eu ache que podcasts que usam estes recursos intencionalmente ou mesmo pela genuinidade de seus integrantes (são assim na vida real) não tenha seu valor. Acredito que muitas pessoas não liguem para isso e vão ouvir e aproveitar a informação que existe no meio dos palavrões. Também acredito que muitas pessoas não vão gostar e vão ouvir menos.

Enfim, acho que sim, que há nichos para tudo. Eu não conseguiria falar tanto palavrão em um podcast (ou na sala de aula). Quanta gente isso incomoda? Só pesquisando para saber… Boa pergunta…

PS: Acho que faltou um detalhe a comentar. Podcasts são formadores de opinião, e há que se considerar esta função quando se pensa na linguagem. Há uma responsabilidade nisso, quer o podcaster queira ou não. Ele pode simplesmente fazer o podcast por diversão, sem se preocupar com mais nada, não quer ser controlado. Concordo, sem diversão não se faz podcast, não se faz um trabalho não remunerado (na maior parte das vezes) e não reconhecido. Mas o fato da responsabilidade de formador de opinião fica.

Acho que a linguagem pode se adequar sim ao público alvo. Até deve se adequar, na maioria das circunstâncias. Aproxima o interlocutor do ouvinte e torna mais fácil a compreensão. O fato é que palavrões não são recursos de linguagem. Não é necessário falar um palavrão por frase para que pessoas de determinadas faixas etárias ou sociais lhe entendam. Acho que pode até ser considerado mais natural e, em alguns casos, isso o aproximar da realidade de determinados grupos, mas mesmo assim, penso que não são recursos necessários para qualquer meio. Aceitáveis, talvez.

Por outro lado, pensando na função formador de opinião (que qualquer podcaster vai ser, não importa o tema do podcast ou o tamanho do seu público), penso que isso fica completamente desnecessário. E salvo raras exceções (síndrome de Tourette, por exemplo), palavrões são controláveis.

4 thoughts on “Falar palavrão no podcast, pode?

  1. A discussão é complicada, mas concordo que tem que haver um certo controle por parte do editor. Não pensando em censurar, mas em como aquela palavra vai chegar ao publico. As vezes o palavrão sai no meio de uma explicação tão épica que é até um crime cortar. =D

    Tem que ver tbm qual o publico alvo, meu podcast começou uma parceria com um portal com um publico diferente, recebemos MUITOS ouvintes com 13~15 anos! eu estou chocado com a quantidade de e-mails deles. o podcast que participo não tem o costume de ter muitos palavrões, mesmo assim com essa redução da idade dos ouvintes estamos revisando muito cada programa. É obvio que no fim quem decide isso é o publico, se por algum motivo o podcast te ofende você retira do Feed e procura outros, acho que no Brasil finalmente estamos tendo opções tanto de podcasts quanto de canais do youtube para poder escolher (mas o ideal é ouvir todos hehehe)

    Não conhecia o Rock com Ciência, mas já adicionei no feed, parabéns pelo texto.

    1. Rubens Pazza disse:

      Pois é, Marcelo. Acho que não custa nada ter uma noção do seu público alvo e adequar um pouco a linguagem.

      Valeu!

  2. Sibele Fausto disse:

    Oi Rubens!

    Pedi sua opinião justamente por isso: vc reúne todas essas condições – é pai, educador, professor e podcaster – o que, creio, facilita uma visão multidimensional da questão. Não é uma visão única, de nicho, heterônoma de seus iguais que pensam e agem de determinada forma que, sendo particular, por ser unívoca do grupo, da “fauna” (como disse o Takata), quer ser geral e não é. Uma visão que, sendo particular, estende este comportamento a todos, julgando-o “normal”, banalizando-o a ponto de não perceber e nem ver problema nenhum em emitir palavrões (ou “termos de baixo calão”, “linguagem chula”, “profanidades” e até “termos não-carolas” – expressões que apareceram nesse debate), chegando mesmo a achar uma verdadeira ET a pessoa que não tem esse comportamento. Uma “ingênua”. Uma “carola”. Que precisa sair da “caixinha”.

    Quando quem está na caixinha, ao meu ver, é justamente quem adota uma postura de gueto, de “iguais”, que não facilita a empatia por quem é de fora, que não compartilha seus modos de conviver, a ponto de ser muito fácil e simples – “natural” até, mandar um “vá se f*der”, um “vá à m*rda” cada vez que haja um contraditório vindo de um diferente – qualquer diferente, seja quem for. No limite, mesmo que seja uma senhora, mãe e avó – o vexatório “Ei Dilma, vá tomar no c*” deixou isso bem claro.

    Exagero? Não, não exagero. Vemos como está a coisa em situações cotidianas – no trânsito, por exemplo (e quem enfrenta o trânsito tenso e caótico de São Paulo sabe do que falo), nas redes sociais, em tudo.

    Sim, há espaço para nichos – inclusive esses que tem esse tipo de comportamento, tido como normal entre eles. Então que cada um ache o seu. Mas tenha em mente que é o *seu* nicho, e não generalize.

    1. Rubens Pazza disse:

      Acho que a linguagem pode se adequar sim ao público alvo. Até deve se adequar, na maioria das circunstâncias. Aproxima o interlocutor do ouvinte e torna mais fácil a compreensão. O fato é que palavrões não são recursos de linguagem. Não é necessário falar um palavrão por frase para que pessoas de determinadas faixas etárias ou sociais lhe entendam. Acho que pode até ser considerado mais natural e, em alguns casos, isso o aproximar da realidade de determinados grupos, mas mesmo assim, penso que não são recursos necessários para qualquer meio. Aceitáveis, talvez.

      Por outro lado, pensando na função formador de opinião (que qualquer podcaster vai ser, não importa o tema do podcast ou o tamanho do seu público), penso que isso fica completamente desnecessário. E salvo raras exceções (síndrome de Tourette, por exemplo), palavrões são controláveis.

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