Entre agulhas e doses de água

Em meu último post comentei sobre a importância da divulgação científica de qualidade. Há muito tempo venho batendo na tecla da responsabilidade dos divulgadores em evitar erros, evitar vulgarizações desnecessárias, etc. Divulgação científica é complicada e difícil. Eu faço isso há uns 10 anos e não aprendi ainda. Mas há pessoas que não podem errar, pois esta é sua profissão. É o caso do editor da revista Scientific American Brasil, Ulisses Capozzoli, entre outros.

É duro, mas a novela da publicação de uma nota incentivando e endossando a homeopatia na versão brasileira da excelente Scientific American não parece que acabará tão cedo. Muitos comentam positivamente sobre a admissão do erro por parte do editor. Em um mundo onde coisas éticas não importam muito, achamos louvável admitir os erros, mas isso deveria ser lugar comum. Deveríamos perder tempo comentando quando tais coisas não acontecem. Alguns estão pedindo a cabeça do editor.

Instigado pelo amigo Daniel Bezerra e seu último texto no blog Telhado de Vidro – “O Soneto e a Emenda“, resolvi apresentar mais alguns pontos a serem considerados. Talvez esta não tenha sido o único deslize do editor e faça parte de uma síndrome que não gostaríamos que acontecesse.

Esta semana ainda tive a curiosidade de ler o blog da Scientific American Brasil. Um artigo semanal escrito pelo editor, Capozzoli. Eu realmente fiquei preocupado com o artigo “Ciência e Falsa Ciência” que comenta sobre “uma decisão do Tribunal Federal Regional da 1ª Região decidiu esta semana que apenas médicos terão direito de praticar a acupuntura”. Poderia se tratar de um excelente artigo vindo de um editor de uma revista de divulgação científica de peso. Mas apesar de fazer um bom histórico sobre a origem e aceitação desta técnica, alguns deslizes não podem passar em branco.

O reconhecimento formal dessa técnica terapêutica eficaz, a ponto de boa parte de seus detratores iniciais agora pretenderem ter exclusividade na sua prática, é apenas um capítulo mais recente da história da ciência.

Técnica terapêutica eficaz? De onde ele tirou isso? Não há evidências de que a técnica da acupuntura seja eficaz. Seja por motivos endógenos – produção de endorfinas que nunca foram demonstradas, seja por motivos espirituais – estes sim, definitivamente não demonstrados, os efeitos da acupuntura parecem não ser regulares e eficazes. Capozzoli poderia ouvir Michael Shermer, por exemplo, um colunista da Scientific American original:

Ou então ele poderia ler alguns dos vários artigos demonstrando que a acupuntura, uma técnica que deveria servir para analgesia, como se prega regularmente, não funcionou para a Sindrome da Fibromialgia, por exemplo. Pelo contrário, um estudo de revisão recente não apenas demonstra que a acupuntura não serve como terapia para dor como também apresenta sérios efeitos adversos (Ernst et al., 2011):

 In conclusion, numerous systematic reviews have generated little truly convincing evidence that acupuncture is effective in reducing pain. Serious adverse effects continue to be reported.

Capozzoli termina seu artigo citando exemplos de falsas ciências e erros da ciência (engraçado que ele faz o mesmo em sua admissão de erro ao publicar o texto da homeopatia) e conclui com esta frase:

Mas a estupidez também é, quando se manifesta sob a forma de pensamento limitado e limitante. Comprometido mais com a camisa de força da memória que com a criatividade libertadora da inteligência, sequiosa por perscrutar os mistérios do mundo.

Alguém quer me explicar o que ele quis dizer com isso? Depois de sugerir que a acupuntura é uma técnica eficaz e comentar outros cientistas que estavam errados, como Galileu em relação a Kepler? Ninguém comentou este artigo dele. Na sequência, a Scientific American Brasil publica um artigo endossando a homeopatia e, posteriormente, Capozzoli se retrata com uma justificativa cheia de “mas”. É difícil acreditar que tenha sido apenas “um erro”, mas temos que torcer que tenha sido, pois a alternativa é desanimadora. Torcer para que tenha sido um deslize, para que Capozzoli tenha tido um mês ruim e não tenha podido ler tudo o que foi publicado este mês, pois o que ele deixou passar não deveria jamais ter sido deixado.

O problema é que sua explicação não encaixa com os fatos. Pelo menos, não deveria. Para quem tem seu currículo, observar a afirmação ridícula da autora de que “a homeopatia não se relaciona com a química e sim com a física quântica, pois trabalha com energia, não com elementos químicos que podem ser qualificados e quantificados” e dizer que isso passou porque a homeopatia é legal e bem aceita no Brasil, inclusive pelo CFM e CNPq, é demasiadamente estranho. É abandonar os fatos para aceitar argumentos de autoridade. Espero sinceramente que tenha sido uma conjunção de erros e não um vislumbre de uma linha editorial degradante para a revista.

Não sei se é o caso de trocar o editor da Scientific American Brasil. Mas é sempre bom ficar de olho e denunciar os momentos em que os responsáveis pela divulgação científica pisam na bola. Se deixarmos estas ações passarem despercebidas, daqui a pouco teremos até astrologia. Ou será que pelo menos isso Capozzoli, como astrônomo, considera pseudociência?

2 thoughts on “Entre agulhas e doses de água

  1. celacanto disse:

    O pedido de desculpa da revista americana é mais robusto no entendimento do que é a ciência e porque é um absurdo a revista publicar essa matéria.

    Para mim a Scientific American brasileira está claramente na mão de alguém que não dá crédito suficiente ao método científico e que ficou com o rabo entre as pernas ao tomar uma bronca da chefe.

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