Nos últimos dias aconteceu o que eu já esperava. Amigos vieram me perguntar o que aconteceu comigo. Como eu mudei de opositor do PT, Bolsa Família e outros programas do governo para um eleitor de Dilma. Sim, eu vou votar na Dilma. E explico.
Antes de qualquer coisa, eu não virei petista. Não vou me filiar ao partido e virar militante, por mais que as postagens nas redes sociais façam parecer. O PT ainda não é o partido que me atrai politicamente. Nas duas últimas eleições presidenciais votei no PV no primeiro turno (me arrependo de 2010 quando a candidata era Marina Silva). Para o segundo turno até recentemente minha ideia era repetir 2010 e votar nulo. O problema é que a iminência da vitória do PSDB me fez repensar tudo e escolher votar no PT.
Como eu escrevi antes, quem me conhece sabe que sempre critiquei o governo petista. Frequentemente discutia ferrenhamente com amigos de esquerda sobre os mais diversos pontos de discórdia. Desde o Bolsa Família até cotas, políticas para ciência, Mais Médicos, até corrupção. Várias discussões iam tão no cerne das coisas que um dos melhores amigos da juventude tinha me eliminado das redes sociais para evitarmos brigas desnecessárias. Houve também várias discussões em que eu defendia certos pontos do governo atual. Tenho vício de discussões desde há muito tempo e às vezes jogo como advogado do diabo para testar meus próprios argumentos e os pontos que não tenho opinião formada.
E eu agradeço imensamente a estas discussões. Aos meus amigos Adriano Padilha dos Santos e Luiz Fenando Fabris, principalmente. Durante muito tempo achei que eles estavam cegos, que não tinha cabimento na defesa de seus pontos de vista. Embora eu não fosse 100% fã do PSDB, eu seria um tucano típico. Ou talvez não tão típico, pois comecei a realmente ler o que eles passavam para eu ler. Ou seja, meu primeiro passo foi romper o preconceito das fontes. Eu era moldado pelas fontes padrão, e comecei a ler outras coisas. Fui atrás dos dados crus para tentar entender e formular minhas próprias conclusões. Até que percebi que eu tinha outro preconceito. O preconceito contra quem eu realmente sou.
Eu sou o típico exemplo da tal meritocracia a qual Aécio e os tucanos falam. Saí de família pobre, que não tinha absolutamente nada na vida. Mas eu era bom na escola. Fiz vestibular, passei e fui estudar. Fiz curso integral, e durante um tempo trabalhei nos fins de semana para ter um dinheiro extra. Com grande sacrifício meus pais conseguiram me manter na faculdade (uma enorme vantagem diante de uma grande parcela da população, isso é bem verdade). Aproveitei bem os estudos e passei na seleção do mestrado e, depois, do doutorado. Venci, e hoje sou professor da Universidade Federal de Viçosa, depois de passar um tempo lecionando na UNINOVE, universidade particular de São Paulo. A meritocracia, entretanto, tem um custo. Para conseguir o currículo que me permitiu entrar no mestrado e no doutorado com bolsa precisei ir a congressos apresentar os trabalhos. Levei anos pagando dívidas desta época. Os anos trabalhando em São Paulo também foram pesados. Um elevado custo de vida, o risco de terminar o semestre e ser demitido (no ano anterior à minha entrada na UNINOVE, um elevado número de doutores havia sido demitido da UNIP, pois doutores são caros para as universidades particulares, e doutores querem fazer pesquisa pois foram treinados para isso), o risco de diminuir a carga horária no semestre seguinte quando você é contratado por hora/aula. Aliás, isso aconteceu uma vez e nos fez perder o carro. Não foi fácil essa tal meritocracia. Ainda vou levar mais uns anos para terminar de pagá-la.
Enfim, eu sou o típico exemplo da meritocracia. E com essa atitude eu discuti inúmeras vezes. Para mim, a Bolsa Família era a tal coisa de dar o peixe e não ensinar a pescar, que não tinha meios de saída, que deixava as pessoas acomodadas e vagabundas. Até que enfim, antes tarde do que nunca, a ficha caiu. Eu sou uma evidência anedota. Casos de vitória como o meu não são regra, são exceção. Comecei a ler estudos mais amplos e compreendi que não basta estudar e querer sair da miséria, pois a situação é muito mais complexa. Tenho vergonha de não ter entendido antes. Há sim muita gente que precisa desse apoio. Compreendi que os casos de acomodação, “vagabundagem”, entre outros, não são nada perto do número de pessoas para as quais esta ajuda faz diferença. A Bolsa Família e outras ações que eu julgava puramente assistencialistas não me afetam mais negativamente.
O fim deste preconceito me libertou. Me sinto muito melhor. Não é porque eu consegui com tamanho esforço que todos precisam passar por isso, até porque, muitos tem condições bem piores do que as que eu tinha. A meritocracia não existe se as oportunidades e as condições não forem iguais. Apesar de tudo que eu critiquei, é inegável o papel social do governo do PT. Hoje estou bem, mas sou povo, sou assalariado, não posso ficar contra mim mesmo votando em quem desdenha dos problemas sociais e acha que a pura vontade de vencer seja suficiente para romper os obstáculos e atingir os objetivos por “mérito”. Finalmente acho que posso me assumir humanista. Não há como ser humanista e achar natural o “quem pode mais chora menos”. Eu posso demorar mais para conquistar tudo que sonhei (sim, pois ainda faltam coisas), mas não será nas costas de quem tem muito menos. Ou quase isso. Minha opção de esquerda, desta forma, veio de muita leitura e muita luta interna. Engraçado que foi praticamente igual ao meu ateísmo.
Mas espere, não é só isso. Há mais. Afinal, sou professor. Sou professor de universidade pública federal. Apesar de conhecer universidades privadas como docente, tenho todo o meu currículo acadêmico dentro de universidades públicas. Acompanhei muito bem a luta e várias greves quando estava fazendo o doutorado na Universidade Federal de São Carlos. Foram oito anos de governo PSDB sem investimento nas universidades, sem vagas para docentes, sem vagas para técnicos e sem verba extra para contratação de terceirizados. Lembro que os docentes não podiam sequer se aposentar, pois não existia concurso para a vaga, que era simplesmente perdida. Se vocês procurarem verão vários relatos de docentes de universidades federais na época. E quanto às vagas? Raras.
Em relação à educação superior, que é o encargo do governo federal, a coisa simplesmente mudou da água para o vinho. Várias universidades foram criadas (algumas foram federalizações de universidades já existentes, é verdade), novos campus interiorizaram o ensino superior público, inúmeras vagas surgiram. Os planos de expansão tem garantido investimentos pesados nas universidades. Então está um paraíso? Longe disso! Há muito por ser resolvido e a preocupação inicial era abrir as vagas. Durante muito tempo eu bati o pé e discuti que a qualidade estava sendo posta em risco uma vez que a infraestrutura não estava pronta. Sabe o que vejo agora? Eu estava sendo egoísta. Óbvio que eu queria tudo já pronto. Óbvio que seria absolutamente incrível que os alunos pudessem entrar na universidade com laboratórios prontos e top, com infraestrutura para pesquisa de primeiro mundo. Mas pensando no aluno e no diferencial de sua formação, por mais dificuldades que o campus da universidade tenha, por mais falhas que haja na infraestrutura, por mais que faltem livros e reagentes no laboratório, o diferencial de sair formado por uma universidade pública próxima de onde mora (ou mesmo na cidade de 10 mil habitantes onde ele vive) não tem comparação. Seria cômodo estar com toda a estrutura pronta, mas é aí que vemos nosso verdadeiro papel como professores. Teoricamente deveríamos ter meios de passar o conhecimento aos alunos, não importa se dentro de laboratórios ultraequipados ou debaixo de uma árvore. Claro que nem sempre será o mesmo conhecimento, mas é o nosso papel fazer o possível. Apesar de tudo isso, percebi nestes 7 anos que estou aqui que as dificuldades muitas vezes são administrativas, da administração superior e direção da universidade e não de falta de recursos. Algumas universidades Sede que receberam verbas para expandir não entenderam muito bem o objetivo disso. Mas essa é outra história. Como eu já disse, sempre fui crítico e não é porque vou votar na Dilma neste segundo turno que vou deixar de ser crítico. O segundo motivo então, é por tudo que está sendo feito pela educação. Poucos percebem (eu já tinha percebido isso até mesmo quando basicamente criticava o governo), mas nestes planos de expansão há uma jogada que tenderá a melhorar também o ensino básico. A obrigatoriedade de ter cursos de licenciatura. Não só para formar professores qualificados, mas porque tendo a licenciatura haverá trabalhos dos alunos e docentes nas escolas, reciclando os professores, oferecendo atividades aos alunos, mudando a vida do ensino básico. Veremos os resultados disso na próxima geração.
Além das vagas houve um grande aumento no número de bolsas para Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, sem contar no reajuste dos valores. Durante os oito anos de FHC tivemos uma grande inflação (vide tópico anterior no blog) e nada, absolutamente nada de reajuste no valor das bolsas. Era raro encontrar um bolsista. Hoje há um número bem maior de bolsas e ainda há o Ciência sem Fronteiras. Critiquei muito, mas compreendo a lógica, e gostaria muito de ter tido tal oportunidade.
E o terceiro ponto é o meu ponto egoísta. É o de pensar no meu umbigo, afinal, todos pensam, não é mesmo. Durante o governo FHC foram oito anos com reajustes ridículos aos professores. As perdas salariais foram enormes, o poder aquisitivo caiu demais. Apesar de difícil (a última greve foi extremamente amarga) e de ainda não estarmos conseguindo a total reposição das perdas inflacionárias, desde o governo Lula temos tido reajustes. Os penduricalhos do salário foram incorporados ao salário base, que era rizível.
Não quero o retorno do PSDB com seu desprezo pelos órgãos públicos incluindo universidades e seu desprezo pelo servidor público. E isso não é terrorismo, é o “modus operandi”. É assim que agem.
Por isso tudo outro dia escrevi que estas eleições me foram muito úteis. No fim das contas, perdi mais alguns preconceitos.
E a corrupção?
Ah, sim. Claro, tem a corrupção. É aí que entra a informação. É óbvio que não sou favorável à corrupção. A questão é que este é um mal do ser humano. Para se livrar completamente da corrupção é preciso se livrar do ser humano (ou dos primatas, pois há indícios de corrupção também entre chimpanzé). Meu desejo é que corruptos sejam investigados e punidos. Por mim as leis seriam mais severas e a fiscalização mais rigorosa. Por mim as empresas corruptoras deveriam ser punidas firmemente da mesma forma. Não há corrupto sem corruptor. O policial corrupto não teria como aceitar suborno se não houvesse quem suborna. E aí vem outra questão, que é inegável o tamanho do abafamento e engavetamento das denúncias de corrupção do PSDB, desde tempos remotos. O PT não é um partido isento, tem problemas e tem corruptos, mas o PSDB idem. Não votar no PT simplesmente para acabar com a corrupção é ridículo e de extrema ingenuidade. Se essa realmente for sua bandeira, sua primeira opção para definir seu candidato, vote nulo ou em branco. Não acredita nisso? Então faça como eu, elimine seu preconceito e busque informações. Vamos juntos exigir provas das denúncias e punição a todos os envolvidos! Independente de quem estiver no poder.
Acho que é isso. Espero ter conseguido explicar o meu voto. E espero poder identificar e eliminar quaisquer outros preconceitos que eu ainda tenha. Não, nem todos, funk não é música e ponto final.
Obrigado, Ana. Hoje vejo amigos e outras pessoas usando os argumentos que eu usava antes e só consigo pensar "ainda bem que não penso mais assim".
Não vi que o link era o do Facebook do meu filho… Saudações, Ana.
Parabéns pelas suas conquistas e pela flexibilidade para buscar informações e buscar compreender "o outro lado", seja ele qual for. Estamos todos precisando disso: abertura e diálogo!
Infelizmente são poucos que acreditam em solução a longo prazo, especialmente quando nada existe para instituir uma base que fundamenta o início de um empreendimento, e assim quem pretende construir alguma coisa de útil para o povo precisa se submeter a esse processo. Politicamente falando, somos quase todos despolitizados por falta de leitiura o que traz a EDUCAÇÃO na bagagem, e por isso o melhor é ter paciência acreditando que existe solução para o BRASIL, muito embora com o sacrifício dos que sofrem na própria carne a selvageria dos insultos elitistas, com o intuito de provocar a intervenção no governo e voltar aos tempos da senzala. VIVA O BRASIL DOS BRASILEIROS!!
O discurso da meritocracia é muito cômodo e muito usado para o marketing pessoal/profissional. Teoricamente ajuda a passar a imagem de “trabalhador”…
Pois é. Consegui tudo por mérito meu, do meu trabalho (mesmo quando o sujeito é um grande puxa-saco).
Resposta de meu amigo Luiz Fernando Fabris:
Meu prezado amigo Rubens,
Fiquei imensamente honrado de ter sido mencionado como um insight para seu raciocínio. Reafirmo que o respeito em qualquer posição que tome. Somos amigos a tempo suficiente para permitir que tenhamos opiniões discordantes.
Acho que aqui é um bom espaço para que eu reafirme uma posição: eu não fecho com partido algum, de forma acrítica (política não é religião, onde se exige aceitação incondicional). Não sou petista, portanto. Se votei no PT nas últimas 6 eleições foi porque as propostas do mesmo foram ao encontro daquilo que eu penso ser o melhor para um país em que meus filhos e netos terão que viver.
Um dos presentes que eu ganhei em minha vida profissional foi poder conhecer todo o Brasil. Em particular quando eu trabalhava na Rhodia pude conhecer cidades brasileiras de todos os portes. Grandes e pequenas; agradáveis e insuportáveis; ricas e miseráveis.
Foi nessa época, também, que pude conhecer um pouco mais a fundo o povo brasileiro. Não aquele povo pertencente à minha classe social, mas um povo que mal sobrevive e que, no dizer de João Cabral de Melo Neto, morre de fome um pouco por dia.
Vi cenas que jamais sairão de minha memória: vi pessoas caçando lagartixas para comer. Vi crianças comendo o barro dos barrancos da estrada.Vi isso, nas décadas de 1980 e 1990. Não faz tanto tempo assim!
Estudando a situação, ficou claro, para mim, que não há “meritocracia” (eu odeio essa palavra porque, como já discutimos, penso que ela é inexata) possível com esse grau de obstáculos; a miséria é desagregadora, frustra qualquer tentativa de sair dela de forma gradual e, sobretudo, custa extremamente caro à nação. Se os maurícios que berram que “programas de transferência de renda são caridade feita com meus impostos” fizessem a conta (supondo que eles saibam fazer contas), adorariam se o governo dobrasse os gastos com ela.
Em todo caso, acho que já discutimos ad-nauseam este assunto.
Quando resolvi votar em um partido comprometido com a diminuição do fosso social de nível africano existente no país eu sabia muito bem que eu não verei o resultado final disso. Esse resultado, um país com IDH entre os top mundiais, mas com respeito à diversidade e características próprias de nossa sociedade, eu certamente não verei. Não importa! Que isso possa ser desfrutado pelos meus netos, pela Gabriele e pela Isabela. Quem foi que disse que vitória precisa ser imediata?
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Emocionado. Principalmente com a parte que acidentalmente me coube. Eu tive de ti uma influência maior. Devo ao teu ateísmo os alicerces do meu. Embora anti-religioso, eu só me tornei ateu após impressionar-me com a segurança e a firmeza serena do teu ateísmo, quase zen. Daí veio Dawkins (outro biólogo), que trouxe Hitchens, Russel e toda a gangue. Até meu ódio pelo mundo cartesiano das ciências exatas foi implodido. Hoje apesar de bastante “arisco”, já consigo olhar para as exatas com um solene respeito. E aí o tal do “gene egoísta”, a que Dawkins se referiu, acaba fazendo aquilo que é descrito de maneira inconsciente por Raul Seixas: O auge do meu egoísmo é querer ajudar. Parabéns, agora vamos por aí “querendo aparar o cabelo de alguém”. E segue a carpintaria.