Este é o texto que foi o ponto de partida para o artigo da Ciência Hoje das Crianças. Melhorou bastante na revista…
Imagine-se chegando ao trabalho ou à escola e, com uma pequena agulhada no dedo, sua identidade aparece no visor e sua entrada é liberada. Com um processamento extremamente rápido, o DNA do seu sangue é lido e as sequências que o tornam uma pessoa única são reconhecidas. Este é um trecho do filme GATTACA, de 1997. O nome é uma alusão às bases nitrogenadas encontradas no DNA – guanina (G), citosina (C), timina (T) e adenina (A). No entanto, o mundo de GATTACA é bem mais complexo, e envolve a seleção de embriões livres de doenças genéticas e predisposições ao tipo de trabalho que os pais desejam (e podem pagar). Casais são formados a partir de análises genéticas de compatibilidade. As poucas pessoas nascidas através dos antigos métodos passam a ser discriminadas pelo que seus genes apresentam. Até que ponto esta distopia pode se tornar algo real no futuro?
Desde a descoberta da estrutura do DNA, assim como da forma como o DNA direciona a sua própria replicação, várias ferramentas para se estudar os componentes genéticos de inúmeras características humanas tem sido desenvolvidas. Utilizando a amplificação de pequenos trechos extremamente variáveis do genoma pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), por exemplo, é possível identificar uma pessoa com uma certeza extremamente elevada. Esta é a base para os testes de paternidade e as análises forenses, por exemplo. Nos Estados Unidos existe uma base de dados de DNA de criminosos que permite a identificação relativamente rápida de uma pessoa que já esteja neste banco de dados, parecido com o que se vê em GATTACA. A PCR também serve para identificar genes específicos que são passados por grandes máquinas leitoras de DNA, chamadas sequenciadoras, que permitem identificar a sequência exata de bases nitrogenadas em um gene. Este sequenciamento é útil para detectar pequenas variações que podem indicar doenças genéticas. Atualmente já existem empresas que alegam fazer uma varredura das principais variações genéticas que causam doenças presentes em um embrião e selecionar um que esteja livre delas para a implantação. De acordo com esta empresa, até mesmo a cor dos olhos pode ser escolhida!
Este tipo de seleção de embriões esbarra em um problema básico – uma boa parte das características que observamos é determinada por um grande conjunto de genes, o que dificulta o estudo inicial e também as potenciais possibilidades de seleção de embriões ou mesmo de diagnóstico precoce de algumas doenças. À medida que novas variações genéticas são identificadas como causadoras ou como potenciais mecanismos de predisposição a alguma doença, o teste em laboratório rapidamente torna-se possível e disponível para as pessoas. É claro que o custo de qualquer nova tecnologia inicialmente é elevado, mas cai consideravelmente de preço com o passar do tempo. Além disso, toda a base para se fazer estes testes já foi desenvolvida e é rotina em inúmeros laboratórios.
O diagnóstico precoce de doenças humanas de longe é um dos mais desejados resultados das pesquisas genéticas. Outra certamente é sua cura. Neste campo é possível destacar os avanços em terapia gênica. A perspectiva cada vez mais real é a de que seja possível no futuro inserir um gene normal em uma célula que tenha o gene defeituoso, fazendo com que o produto deste gene (um fator de coagulação sanguínea, por exemplo) seja produzido normalmente. Este seria um tratamento definitivo para hemofilia, diabetes, câncer, doenças neurológicas e várias outras. Outra frente de trabalho na área de saúde é a farmacogenética, ou a construção de um medicamento específico para cada um. Como as pessoas são diferentes em sua composição genética, há medicamentos extremamente eficientes para determinadas pessoas e ineficientes para outras. Estes estudos permitirão identificar estas diferenças e produzir um tratamento individualizado. É muito parecido com o que acontece com as dietas para controle de peso. Algumas pessoas podem responder melhor a determinados tipos de dietas, outras respondem melhor a outro tipo. A nutrigenética e a nutrigenômica são áreas que tem um potencial interessante para a melhora na qualidade de vida e até mesmo a cura de doenças relacionadas à nutrição, como a obesidade, hipertensão, níveis de colesterol, etc.
E será que você tende a cooperar socialmente apenas se houver algum tipo de punição envolvida? Pois bem, pesquisadores britânicos recentemente associaram variações em genes de receptores e transportadores de serotonina a um aumento no comportamento cooperativo sob algum tipo de punição – quem não contribui, paga uma tarefa, por exemplo. Pessoas com um variante do gene de transporte da serotonina contribuíram mais na ausência de punição, enquanto pessoas que apresentaram variante do gene de receptor de serotonina apresentaram cooperação maior nos experimentos com punição. Ou seja, aos poucos os aspectos do comportamento humano também poderão fazer parte daquela varredura e poderemos ser distinguidos e descritos pela nossa sequência de DNA, e poderão ser utilizadas para melhor adequar os sistemas de segurança pública.
O uso das ferramentas de estudo do DNA não param no que se refere à saúde ou características humanas. Cada vez mais têm sido utilizadas para dar assistência a planos de manejo de fauna e flora, identificar espécies desconhecidas e também na análise de crimes ambientais. Com uma amostra de um móvel, por exemplo, é possível identificar a espécie da árvore e saber se é madeira de reflorestamento ou de extrativismo ilegal.
Enfim, as possibilidades são inúmeras, mas não podemos perder o foco e usar as informações genéticas como meio discriminatório, como no filme GATTACA. As variações genéticas humanas existem e podem ser úteis para elevar o bem estar geral de nossa espécie, prolongando nossa estadia neste planeta.