A crise internacional e a pesquisa no Brasil

Encontrei mais dois textos no blog antigo que não podem faltar aqui. Aí sim, terei feito o “backup” dos meus ensaios. Este texto foi colocado no blog dia 17 de Abril de 2009. Trata do financiamento de pesquisas no Brasil e EUA. É interessante para refletirmos onde queremos chegar.

No mês de fevereiro aconteceu algo um tanto inesperado. Tem sido relativamente freqüente o recebimento de artigos de revistas científicas para que eu dê parecer. No entanto, desta vez recebi um projeto que foi encaminhado a um órgão de fomento, visando aprovação para conseguir fundos para pesquisa. O detalhe é que este órgão era a NSF (National Science Foundation) dos EUA. O pesquisador, coordenador do projeto que pleiteava a verba tem um currículo extremamente melhor que o meu, é pesquisador veterano, com artigos publicados na Nature, PNAS e outras revistas deste calibre. Este foi meu primeiro espanto.

É claro que o tema da pesquisa tinha alguma coisa a ver com o que eu trabalho. Na verdade, tinha o organismo a ver. Trata-se de uma pesquisa com peixes do gênero Astyanax. Eu também tenho projeto financiado por órgão de fomento com estes peixes. A diferença é que ele trabalha com pesquisa de ponta em expressão gênica e aspectos evolutivos do desenvolvimento, enquanto minha linha de pesquisa é mais modesta, com estudos evolutivos ainda em nível populacional.

Bom, o projeto estava interessante, os objetivos bem claros e a metodologia bem delineada para responder às questões levantadas. Assim, dei parecer favorável à aprovação.

Mas e daí, o que isso tem de interessante? O NSF é um dos principais órgãos de fomento governamentais dos EUA, que financia projetos de áreas diversas. Algo como o nosso CNPq. Além deste, eles também têm o NIH, que financia projetos na área de saúde. Nós temos as Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais (nem todos, pois de acordo com denúncia no Jornal da Ciência – publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – os Estados do Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins ainda não têm sua FAP). Bom, o interessante era o montante de dinheiro solicitado pelo pesquisador – mais de 800 mil dólares. Para um único projeto de quatro anos. O pesquisador ainda tem um projeto em andamento com financiamento de mais de dois milhões de dólares.

Eu comentei anteriormente que eu tenho projeto financiado, não é mesmo. Aprovei um projeto na nossa FAP, a FAPEMIG, da ordem de 48 mil reais. O teto deste edital era 50 mil. O teto dos editais básicos e periódicos da FAPEMIG estão em torno disso. O teto para os projetos “universais” do CNPq chegam aos 200 mil reais. Claro que alguns editais são mais poupudos que outros, mas no geral é isso mesmo. Ou seja, nos EUA, projetos gerais podem ser agraciados com valores na casa dos 800 mil dólares, enquanto no Brasil, os projetos precisam ser mais modestos, bem mais modestos, pois nossa verba é em reais. A FAPESP é a FAP mais bem preparada e com mais recursos, e consegue aprovar projetos grandes para vários pesquisadores.

Isso não é tudo. Além da maior possibilidade de recursos, o custo da ciência no Brasil é muito maior. Mesmo com isenção de impostos para importação de equipamentos e reagentes, ainda existem outras taxas, despesas de transporte e outras coisas mais, que acabam fazendo com que os valores cheguem perto dos valores cobrados pelas empresas no Brasil, a não ser que a compra seja em grande quantidade ou o valor do equipamento seja maior.

Para completar, hoje li na Science que o governo americano, que admite haver uma crise internacional, adicionou mais de oito bilhões de dólares para financiamento de pesquisas para a NIH e NSF. Enquanto isso, nosso governo que insiste que a crise não existe, que é causada por “brancos de olhos azuis” ou ainda culpa do pessimismo, cortou um total de cerca de dois bilhões de reais da já escassa verba do Ministério de Ciência e Tecnologia, e outros dois bilhões do Ministério da Educação e Cultura.
Assim fica fácil fazer pesquisa no Brasil.

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